Práticas de professores alfabetizadores
e Alfabetização Científica
Luciane Mulazani dos Santos

Compartilhar experiências sobre a prática docente é uma forma de pensar e agir sobre temas de Educação. A apresentação de ideias, projetos e ações realizadas por nossos pares pode inspirar, incentivar, problematizar a construção de outras e novas práticas, assim como propor reflexões, discussões e revisões das práticas atuais. Quando conhecemos a experiência do outro, por meio de seus relatos, abrimos possibilidades para vermos e compreendermos realidades diferentes da nossa. Isso amplia a nossa visão de mundo! Os relatos de experiências de professores que compartilham a realidade local – de sua sala de aula, de sua escola, de sua comunidade – nos dão subsídios para realizarmos reflexão crítica sobre os processos de ensino e de aprendizagem, o que pode contribuir positivamente para uma ação global: discutir a ampliação dos direitos a uma Educação de qualidade para todos. Agradeço às professoras Deize e Elisabete que se dedicaram ao trabalho de compartilhar experiências, possibilitando e enriquecendo, assim, as discussões desse Caderno.

A escola, um lugar de processos de ensinar e aprender, tem importante papel na formação de cidadãos críticos. Desde o início do Ciclo de Alfabetização, as crianças se envolvem em atividades que lhes permitem conhecer e pensar sobre a realidade que as cerca. A Alfabetização Científica inicia um processo de compreensão do mundo e de construção da cidadania na medida em que abre espaço para que as crianças se vejam como participantes e integrantes do Universo e se sintam encorajadas a discutirem e decidirem sobre questões a respeito da vida nos ambientes e do desenvolvimento tecnológico. Aprender Ciências na perspectiva da Alfabetização Científica ajuda as crianças com o “fazer ciência”, ou seja, a realizarem atividades científicas para explicação de fenômenos naturais e entendimento das formas e interação com a natureza, entendendo a construção do conhecimento científico e tecnológico como uma atividade humana historicamente contextualizada.

A Alfabetização Científica é um processo contínuo que acontece ao longo da vida. Pode iniciar e se dar na escola – espaço formal de Educação – e também fora dela, já que a educação não se restringe às práticas que se realizam no espaço escolar. É importante reconhecer que a escola não dá conta de garantir o acesso a todas as informações sobre ciência, tecnologia e sociedade. Por isso, é importante que o planejamento e as práticas docentes dos professores que ensinam Ciências considerem possibilidades que propiciem aos alunos condições para que aprendam também nos espaços não formais de educação, promovendo, por exemplo, visitas a museus, parques, planetários, indústrias, laboratórios etc., e desenvolvendo pesquisas sobre as coisas vivenciadas nesses lugares. Outros pontos importantes para a Alfabetização Científica são a utilização de diferentes linguagens, tais como literatura, cinema, história em quadrinhos, música, hipertexto (internet), desenhos e a realização de atividades lúdicas, tais como jogos, desafios, passeios e brincadeiras. Não podemos esquecer que estamos falando do ensino para crianças, que crianças pensam e aprendem como crianças. Crianças são curiosas, alegres, inventivas e inquietas, características que podem ser valorizadas em favor de um ensino de Ciências investigativo, participativo e atraente. Sempre é preciso adequar conteúdos, procedimentos e linguagem àquilo que é significativo e seguro para os alunos que estão no Ciclo de Alfabetização, considerando sua faixa etária, realidade e conhecimentos prévios.

A Alfabetização Científica é um Direito de Aprendizagem, um processo que deve ser visto como prioridade quando do ensino de Ciências no Ciclo de Alfabetização, articulando:

  • domínio de vocabulário, simbolismos, fatos, conceitos, princípios e procedimentos da ciência;
  • as características próprias do “fazer ciência” ou da “atividade científica”;
  • as relações entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente e suas repercussões.

Esta caracterização da Alfabetização Científica, adaptada do texto dos professores Mauro e Alessandra, nos dá importantes indicativos do trabalho com o ensino de Ciências no Ciclo de Alfabetização. A ênfase que se dá aos aspectos do “fazer ciência” ou da “atividade científica” justifica-se pelo fato de serem elementos essenciais para a Alfabetização Científica. É importante que as Ciências Naturais não sejam encaradas apenas como mais uma disciplina escolar ou como um corpo de conhecimento. Ciência é um modo de pensar. A prática docente que leva em conta esse modo de pensar pode ser realizada desde os primeiros anos da escolarização. Assim, desde cedo, as crianças são colocadas em situações investigativas de aprendizagem. A “atividade científica” ou o “fazer ciência” dá às crianças a possibilidade de investigarem a sua realidade, observando e conjecturando a respeito do mundo que as cerca. Isso as leva a construírem suas explicações a respeito dos fenômenos observados e investigados. É importante que o trabalho com os alunos envolva planejamentos e práticas de atividades científicas que promovam a Alfabetização Científica. Nesse processo, podem ser desenvolvidos aspectos como expressão oral, formas de registro, argumentação, trabalho colaborativo, investigação, imaginação, experimentação, criatividade, criticidade e podem ser realizadas atividades lúdicas, de pesquisa e de resolução de problemas. Tudo isso, no final, no processo de conclusões e de sistematizações, pode levar, ainda, à construção de um debate crítico a respeito do problema investigado.

A Ciência preocupa-se em investigar os fenômenos reais para enunciar verdades sobre eles. Porém, isso não quer dizer que a Ciência trabalha com verdades absolutas, pois as interpretações para os fenômenos podem ser revistas e modificadas. Assim, é importante discutirmos com os alunos o fato de que o conhecimento científico é parcial, provisório e inacabado porque a produção científica muda de acordo com a época em que é realizada. Isso pode ser trabalhado colocando as crianças em situações nas quais possam questionar as explicações científicas, sempre se perguntando: É assim mesmo? Sempre foi assim? Isso pode mudar? Chamamos isso de atitude científica, importante para a Alfabetização Científica. Outra característica importante do “fazer ciência” é saber da necessidade de articulação entre razão e experiência quando da construção de modelos explicativos dos fenômenos naturais. Isso significa dizer que, na Ciência, os resultados precisam ser logicamente fundamentados, rompendo com o senso comum. O senso comum, assim como as tradições, também podem revelar verdades, mas essas verdades precisam ser validadas pela comunidade científica para que alcancem, quando desejável, um caráter científico. Aparece, aí, outra oportunidade de trabalho com as crianças: tomar contato com seu contexto sociocultural para discutir os saberes da sua comunidade, fazendo disso uma oportunidade para tanto conhecer a realidade quanto pensar criticamente sobre ela. É importante dar destaque à necessidade de se trabalhar de maneira organizada na realização de atividades científicas. O método é um aspecto fundamental da Ciência e deve, é claro, ser adequado ao nível de ensino em que se está trabalhando. O importante é mostrar que devem observadas as regras na realização, por exemplo, de experimentos científicos.

Considerando tudo o que é essencial para uma Alfabetização Científica, podemos perceber a importância do professor alfabetizador não só como mediador do desenvolvimento da escrita e da leitura das crianças mas também, fundamentalmente, da discussão da relação dos conhecimentos científicos com as práticas sociais no âmbito da vida nos ambientes e do desenvolvimento tecnológico. Assim, é importante que os conhecimentos científicos sejam construídos estudando -se conceitos teóricos com base na realidade, uma vez que os problemas mais significativos para a humanidade partem da prática social.

 

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