Atividades investigativas no
ensino de Ciências
Andrela Garibaldi Loureiro Parente

As crianças, desde muito cedo, fazem questionamentos: “Por que eu consigo carregar meu pai dentro da água, mas não consigo fazer isso quanto estou fora dela?”; desafiam-se umas às outras expressando o que já sabem: “Eu consigo te carregar dentro d ́água! Queres que eu te mostre?”; ou surpreendem-se diante de uma nova situação: “Ué, nunca pensei que fosse possível carregar você, mesmo dentro d ́água”. As falas diversificam-se e podem ser o ponto de partida de um diálogo, em sala de aula, que vise buscar respostas para tais questões. Neste texto refletiremos sobre atividades investigativas, compartilhando situações inspiradas no Eixo Materiais e Transformações, do documento Elementos Conceituais e Metodológicos para a Definição dos Direitos de Aprendizagem (BRASIL, 2012).

De fato, carregar uma pessoa dentro d ́água é mais fácil do que fora dela, não é verdade? Para entender o que acontece, vamos adotar como ponto de partida algo que faz parte do universo das crianças: bolas de gude. Pegue uma bola de gude de tamanho normal e tente verificar quanto ela pesa*. Na balança, sua massa será aproximadamente 4g.

 Ilustrações: Carlos Cesar Salvadori/ricardo Enz.


* Nota dos organizadores: repetimos aqui a nota já apresentada no Caderno 06 de Matemática (Grandezas e Medi-das). No cotidiano, costumamos utilizar a palavra peso referindo-nos a massa do objeto. Este é o uso da palavra que será feito neste Caderno e ele não está em desacordo, por exemplo, com o uso feito pelo Instituto Brasileiro de Pesos e Medidas. Mais tarde, na escolarização, alunos e professores irão se deparar com situações nas quais haja necessidade de fazer a diferenciação entre massa e peso; este não é o momento para isso. Este texto é importante por apresentar, de modo experimental e para crianças pequenas, a possibilidade de compreensão da diferença entre massa e peso, mas é importante perceber a dificuldade, por exemplo, com a compreensão da ideia de volume.

A bola de gude não muda de tamanho se for imersa em água. Então, colocando-a em um recipiente com água, podemos afirmar que o seu tamanho (ou, em outras palavras, o seu volume) continua o mesmo. No entanto, a sua massa, medida dentro da água, continuará sendo de 4g. Se a massa não se altera, por que é que as coisas parecem mais leves quando dentro da água?

Outro exemplo que pode ser conhecido pelas pessoas que moram no campo, ou em regiões onde há poços, é o seguinte: quando se retira água de um poço percebe-se que é mais fácil puxar o balde enquanto ele ainda está dentro da água; e quando ele está totalmente no ar é necessário fazer mais força! os dois exemplos, o da bola de gude e o do poço, nos levam a indagar:

Como medir a diferença entre a força feita para carregar um objeto no ar e na água?

Já no Caderno de Grandezas e Medidas do PNAIC de 2014 falou-se que, para crianças na idade de 6 a 8 anos, não é importante distinguir peso e massa. Na linguagem do dia a dia fala-se indistintamente em medida de peso. No entanto, as crianças podem perceber que há coisas diferentes em jogo nessa situação: já vimos que na balança, que normalmente opera com dois pratos ou que faz comparação com uma unidade padrão, medimos a massa dos objetos, e a massa é uma grandeza que não se altera quando o objeto que medimos está na água ou no ar. Talvez alguns não saibam, mas podemos fazer a medição do “peso” com outro instrumento: o dinamômetro. Você sabe o que é um dinamômetro?

Com materiais como régua, elástico e clipes é possível fabricar um dinamômetro artesanal. Mas para poder colocá-lo em ação será preciso organizar informações acerca do fenômeno da deformação do elástico. Prendendo a bolinha de gude ao elástico será possível medir a sua deformação, comparando o seu comprimento “antes” e “depois” de preso à bolinha. Rapidamente os alunos percebem que quanto mais pesado for o objeto, mais o elástico vai esticar. E é aí que entra em jogo a experiência: o que acontece se medirmos a deformação do elástico com a bolinha dentro da água?

As diferentes deformações do elástico provocadas pelo objeto preso nele, quando este é suspenso, primeiro no ar e depois submerso em água, é uma possibilidade de construir relações para indicar que o meio é responsável pela sensação de leveza. Ao comparar as deformações observadas, constatamos que o objeto suspenso no ar deforma mais do que quando ele é submerso em água, ou seja, seu peso no ar é diferente de seu peso na água (designado de peso aparente), razão pela qual a força empregada na água é menor do que no ar.

Deste modo tornamos observável o fenômeno apresentado: agora podemos “ver” quanto a bolinha de gude estica o elástico no ar e quanto ela estica o elástico quando dentro da água. Para tornar o fenômeno observável, utilizamos um instrumento: o dinamômetro. Este instrumento de medida foi usado para comparar as deformações e nos ajudar a compreender, a partir das medições, o comportamento de um mesmo objeto  no  ar  e  na  água.  Com  o  experimento,  os  questionamentos  são  discutidos  a partir  das  observações  e  das  relações  construídas  no  diálogo,  orientados  por  uma visão particular, a da ciência, de interpretar o fenômeno. 

Em  sala  de  aula,  observações  podem  ser  feitas  a  partir  de  experimentações com objetos variados. Se a intenção é caminhar nessa direção, a construção de um quadro pode auxiliar no registro de informações sobre as deformações que provocam os objetos selecionados, suas medidas e observações realizadas.

Tabela 1: Explorando deformações

Com a organização das informações no quadro, que podem ser expressas de diferentes formas, como fazendo uso de desenhos, é possível não somente comparar a deformação causada no elástico pelo objeto no ar e na água, mas, também, estabelecer relações entre os objetos por meio de outro questionamento: Quanto maior a massa do objeto, maior será a deformação observada no elástico?

É possível que as crianças sugiram pesar objetos que tenham uma massa tão pequena que não seja perceptível a deformação do elástico. Por exemplo: o que aconteceria se tentássemos pesar uma joaninha? Ou um mosquito? Aliás... é por ser “leve” que o mosquito não afunda quando pousa na água? Percebam que estas questões não são simples de responder: demandam pesquisa e podem resultar em novos experimentos. Na Revista “Ciência Hoje das Crianças”, você encontra um experimento que aborda a ideia de força gravitacional.1

Como já vimos, o estudo de um fenômeno costuma desencadear outras situações de estudo, seja a partir das observações realizadas, seja através da linguagem empregada. Situações novas costumam gerar a necessidade de novas palavras, de ampliação do vocabulário e de diferenciação de conceitos... Assim, ao longo do tempo, se houver experiências e situações que criem tais necessidades, será importante diferenciar peso de massa. A expressão “leve” é também utilizada para explicar o comportamento de afundar ou flutuar de objetos lançados em água. Assim, ouvimos explicações com os seguintes argumentos: flutua porque é leve ou porque é pequeno; afunda porque é pesado ou porque é grande. Todo objeto leve e pequeno flutua? Todo objeto pesado e grande afunda? Por que alguns objetos afundam e outros flutuam? Dois conceitos são importantes para esse estudo: a densidade e o empuxo.


1 A Força do Balde. Ciência Hoje das crianças. Disponível em: <http://chc.cienciahoje.uol.com.br/a-forca-do-balde/>. Acesso em: março de 2015.

Que tal começarmos pelo conceito de densidade?

Ilustração: Ricardo Enz.

Os objetos que flutuam e os que afundam podem ser agrupados, e isso pode ser feito com o objetivo de conduzir os estudantes para reconhecerem que na diversidade de objetos, como, lápis, borracha, apontador, chave, bola, dentre outros, é possível diferenciá-los ou reuni-los segundo esse comportamento.

Ao prever o comportamento em água de duas esferas maciças, uma pequena feita de aço e outra grande, feita de isopor, estas podem até considerar o volume do objeto (veja como podemos saber o volume de um objeto sólido!). Já pude observar a expressão de surpresa das crianças acompanhada da fala “Como uma coisa tão pequena pode afundar?”, na ocasião em que suas previsões, baseadas no volume da esfera, não estavam de acordo suas observações.

Agora, considere duas esferas de mesmo volume, uma esfera de biscuit2 e outra de vidro (bola de gude). Que previsões são feitas antes de colocá-las em água? No que se baseiam as previsões?

Massa de biscuit colorida. Foto: Arquivo dos Autores.


2 Biscuit é uma massa moldável constituída de amido. É vendida em armarinhos ou lojas de artesanatos.

 

A partir da esfera de vidro faz-se a outra esfera3, uma vez que é possível moldar a massa de biscuit. Com o auxílio de uma balança, você pode medir a massa de cada esfera e identificar que, para o mesmo volume, elas terão massas diferentes, sendo a massa da esfera de biscuit menor com relação à massa da esfera de vidro. Será que em razão de ter massa menor, dado um mesmo volume, a esfera de biscuit flutuará ao ser colocada na água?

Dois grupos de objetos estão organizados na Figura. São esferas e cubos de materiais diferentes. É possível estabelecer diferentes comparações entre eles, explorando as ideias sobre o comportamento de afundar e flutuar que se baseiam somente na massa ou somente no volume.

Figura 1: Materiais que afundam e materiais que flutuam

Foto: Arquivo dos Autores.

No primeiro grupo, temos objetos que flutuam em água: na primeira linha, cubos de materiais diferentes, com volumes diferentes e mesma massa; na segunda linha, cubos de materiais diferentes, com volumes iguais e massas diferentes. Que comparações você estabelece visando a compreensão de que não é somente o volume ou a massa que determina se um corpo flutua?


3 Após feita a esfera, é necessário tempo para secar e endurecer a massa.

No segundo grupo, temos objetos que afundam em água: na primeira linha, esferas de materiais diferentes, com volumes diferentes e mesma massa; na segunda linha, esferas de materiais diferentes, com volumes iguais e massas diferentes. E, agora? Que comparações você estabelece visando a compreensão de que não é somente o volume ou a massa que determina se um corpo afunda?

Um terceiro grupo pode ser criado. Pense na organização de um terceiro grupo com objetos que afundam e flutuam dispostos na mesma linha. Faça um subgrupo com mesma massa e um subgrupo com mesmo volume. O que é possível discutir a partir desse novo grupo de objetos?
Antes, na primeira linha dos dois grupos, o volume é a variável em estudo. Já na segunda linha, a massa é a variável em estudo, pois para um mesmo volume os objetos possuem massas diferentes. E agora, com o terceiro grupo criado por você, qual é a variável em estudo? Retornamos assim para a identificação entre os objetos que afundam e os objetos que flutuam, mas com a ideia de que considerar somente a massa, ou somente o volume, não é um caminho para entender a flutuação dos objetos.

Faça esferas com massa de modelar, de diferentes volumes, e observe seu comportamento em água. Diminuir a massa de um objeto na tentativa de observá-lo flutuar consequentemente diminui o volume dele, mas não implica pensar que tal observação será possível. Por quê? Nas linhas verticais, tanto do primeiro quanto do segundo grupo, estão dispostos objetos de diferentes volumes. No primeiro grupo todos flutuam. No segundo grupo todos afundam.

Observe os cubos da Figura, os de mesmo volume, localizados na segunda linha do grupo dos objetos que flutuam. Para o volume de 4 ml, a massa de isopor é de 1g, a de parafina 5g e a de madeira de 3g, ou seja, para um mesmo volume as massas são diferentes. A quantidade de matéria (massa) existente nesse dado volume é o que define a densidade do objeto e a partir dela é possível afirmar que objeto é mais denso que o outro. A previsão para a flutuação de um objeto, em um meio líquido, é resultante da comparação entre a densidade dele e do líquido.

A densidade é uma propriedade intensiva, característica própria da matéria, e que tem relação com outras duas grandezas, massa e volume, porém não de forma independente. Qual é, entre os cubos de isopor, parafina e madeira, o mais denso? Qual será o comportamento deles em água?

Agora, observe a Figura. As esferas, uma de biscuit e outra de vidro, estão no fundo de um recipiente com água. Temos uma garrafa plástica com capacidade de 300 ml e, dentro dela, 48 esferas de vidro, que estão no fundo do recipiente. Também existe outra garrafa plástica, idêntica à primeira, com igual número de esferas, só que com esferas de biscuit, mas que, ao contrário da primeira garrafa, flutua. Tal situação instiga questionamentos, não é mesmo?

Figura 2: O que faz a garrafa com 48 esferas de biscuit flutuar, já que uma só esfera afunda?

Fotos: Arquivo dos Autores.

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As questões suscitam teste de ideias, ou hipóteses, mediante a solicitação da solução para o problema. Um caminho para buscar respostas pode partir do segundo questionamento, que demanda uma ação, e a relação da ação com um efeito buscado, o de fazer flutuar a garrafa com esferas de vidro.

  1. Por que a garrafa com 48 esferas de biscuit flutua, já que uma só esfera afunda?
  2. É possível fazer a garrafa com esferas de vidro flutuar? Como isto pode ser feito?
  3. O que tem que ser feito para a garrafa com esferas de biscuit afundar, já que a garrafa com esferas de vidro afunda?
  4. Qual o volume das garrafas? Elas possuem volumes iguais ou diferentes? Como podemos saber o volume delas?

Em aula, grupos menores de estudantes podem ser desafiados e orientados na discussão do problema, bem como na sua solução, o que constitui uma oportunidade para eles explicitarem seus argumentos ante as ações que propuserem. Também é uma ocasião para observá-los e incentivá-los, oferecendo ajuda na direção das soluções encaminhadas. Perguntas como “O que estão pensando fazer?”, ajudam a explicitar suas ações, tomando consciência do que fazem.

Os grupos podem chegar à solução em tempos diferentes, pela proposição da diminuição do número de esferas de vidro dentro da garrafa. Interagindo um com o outro, aprendem com a observação sobre o que os grupos vizinhos fazem. Novas perguntas podem suscitar outros desafios: Qual o maior número de esferas de vidro que pode ficar na garrafa sem que ela afunde?

A diminuição no número de esferas de vidro responde ao problema e sugere, em certa medida, o que fazer com a garrafa contendo esferas de biscuit, no questionamento 3. Na medida em que as esferas de vidro são retiradas, há diminuição da massa de vidro, consequentemente aumenta quantidade de ar. Explicação a ser considerada para a garrafa contendo esferas de biscuit: Não é possível aumentar o número de esfera de biscuit; há que considerar os espaços vazios entre elas e a presença do ar. Uma nova informação a se considerar!4

Pensar na quantidade de massa nas garrafas é o caminho para elaborarmos resposta para o primeiro questionamento. Mas antes temos que ter clareza sobre o questionamento 4. É possível medir o volume da garrafa pela medida do volume de água que ela desloca. Como? Compare o volume de líquido deslocado por cada garrafa. São iguais ou diferentes?

A solução do problema é um caminho para pensar, por exemplo, na flutuação de objetos que, mesmo tendo em sua composição material de densidade maior que da água, não afundam. Navios e balsas são constituídos de ferro, mais denso que a água, mas são feitos para não afundar. Pegue duas porções iguais de massa de modelar ou de biscuit. Com uma delas faça uma bola e com a outra um barquinho que não afunde. O que é preciso considerar para o barquinho não afundar? Além do volume, o formato é importante. Diferentes formatos de barcos podem ser criados pelos estudantes!

No experimento “Por que os barcos não afundam?”5, a compreensão para a flutuação do barquinho se baseia na massa do volume de água deslocado pelo corpo. Já conhecemos um meio de encontrar o volume deslocado. Podemos, então, saber a massa desse volume. Essa compreensão baseia-se no princípio de Arquimedes. Outra grandeza, o empuxo, é apresentada para o estudo da flutuação.6

Ainda sobre a flutuação, sugiro pensar sobre o fato de o gelo flutuar na água. Uma estratégia para investigar esse fato pode partir da observação e comparação do comportamento do volume de uma mesma massa de água, uma no estado líquido e outra no estado sólido. A flutuação do gelo (água no estado sólido) é um fenômeno importante para a manutenção de espécies marinhas. A camada de gelo que flutua sobre oceanos e lagos é responsável por proteger a vida marinha do ar congelante acima dela. A densidade é uma propriedade da matéria no estado líquido e gasoso.

 


4 No texto “O ar é matéria” você encontrará mais informações sobre o assunto. Disponível em: <http://www.cdcc.usp.br/maomassa/livros_ensinarasciencias.html>, acesso em: março de 2015.
5 Por que os barcos não afundam. Ciência Hoje das crianças. Disponível em: <http://chc.cienciahoje.uol.com.br/por-que-os-barcos-nao-afundam/>. Acesso em:março de 2015.
6 No texto “Arquimedes e a Coroa do Rei: problemas históricos”, encontra-se um procedimento para estudar a flutuação de objetos a partir do empuxo.
MARTINS, Roberto de Andrade. Arquimedes e a coroa do rei: problemas históricos. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 17, n. 2, 2000. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/issue/view/404>. Acesso em: março de 2015.

Já que estamos falando em água...

Existe uma cartilha disponível no Portal do Professor7, que trata da temática água. São quatro cadernos. O caderno três, cujo título é “Gênero, água e eventos climáticos”, trata do ciclo da água. O estudo dessa temática, sobretudo das questões ambientais e sociais relacionados, provoca diferentes questionamentos. Para exemplificar isso vou contar-lhes um fato.

Um grupo de crianças do 2.º ano do ensino fundamental e que pertenciam, no ano de 2014, ao Clube de Ciências da Universidade Federal do Pará, estudava o ciclo da água. Com a intenção de ensiná-las sobre mudanças de estado físico, os estagiários levaram um vídeo para o encontro com elas. Após assistirem ao vídeo, suas falas foram na direção da discussão sobre a frequência de chuva em diferentes regiões do Brasil e os tipos de vegetação. Elas já haviam estudando a importância da água para a manutenção da vida dos vegetais.

Uma criança que participava da discussão questionou: Como os cactos sobrevivem?

A pergunta intrigou outras crianças e o grupo resolveu investir no estudo da pergunta. As leituras iniciais levaram ao redirecionamento do questionamento inicial. Se antes desejavam saber como os cactos sobrevivem em regiões com pouca frequência de chuva, agora procuravam estudar um pouco mais sobre os cactos, pois uma diferença entre ele e outros vegetais é que retiram água não somente do solo, mas também do ar.

Como os cactos armazenam água?

Leituras, observações de cactos, estudo comparativo sobre as estruturas internas dos cactos e de outros vegetais com o auxílio de imagens e extração de água foram atividades que passaram a desenvolver a partir da orientação da nova pergunta.

Quando seus interesses são valorizados, novos caminhos são construídos no processo de ensino investigativo.

Outros questionamentos são derivados da temática. Uma perspectiva de pergunta desejável dentro das atividades investigativas que situa a investigação com os estudantes em outra dimensão, que não é somente do domínio do conteúdo de Ciências, ou do modo como os problemas podem ser resolvidos tendo como referencia o fazer ciência, mas que visam buscar construir resposta(s) para questões que afetam o cidadão com problemas de relevância social.


7 PINTO, Ziraldo Alves. Gênero, água e eventos climáticos. Disponível em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/materiais/0000013807.pdf>. Acesso em: março de 2015.

Na escola se ensina sobre a quantidade de água disponível no mundo. Assim, é falado que 97,2% é de água salgada; 2,1% água presente na neve ou no gelo; 0,6% água doce e o restante na forma de vapor atmosférico. Em continuidade, ao tratar do consumo, se destaca que o maior consumo de água doce ocorre na agricultura; na sequência de quem consome mais se apresentam as indústrias. Quem consome menos água doce é o abastecimento urbano. No entanto, as campanhas em diferentes veículos de comunicação parecem responsabilizar o cidadão comum. As campanhas para o cuidado com a água estão voltadas à parcela da população que menos consome água. Por que isso ocorre? Não estou dizendo que não devemos ter cuidado com a água. Não é isso! Muitos assistem a diferentes retratos da escassez de água no Brasil e no mundo. Muitos cidadãos vivem a escassez. Isso nos afeta!!! Em contextos dessa natureza não cabem questões de admiração, surpresa ou curiosidade, mas de indignação. O que tem causado a escassez de água? Que cuidados têm a agricultura e a indústria com a água que usam? Por que são as tarefas domésticas que aparecem na mídia, já que o maior consumo de água é da agricultura e da indústria? Como vivem as pessoas que sofrem com a escassez de água para as tarefas de casa? Para cada questão proposta haverá respostas no plural. As respostas serão resultantes de um processo de construção que irá demandar dos envolvidos um fazer ciência na escola. Não cabe, aqui, somente a visão da ciência sobre esse fenômeno. Devemos conceber que temos condições de elaborar uma compreensão para esse fato que nos afeta. Ao mesmo tempo em que as crianças aprendem desse de cedo a ter responsabilidade com a água que usam, podem começar a ser responsáveis pela administração adequada da água, já que esta é um bem finito.

Diferente da água nos estados líquido e sólido, a presença de vapor d’água no ar, bem como os gases que compõem a atmosfera, é identificada por meio de sinais (evidências), como mudança de cor, formação de bolhas, aumento de temperatura, etc. resultantes da interação da matéria com o meio. Um exemplo, nesse sentido, é o aparecimento da ferrugem. Os estudantes têm noções prévias sobre o que pode estar associado a ela. Observam que, com o tempo, objetos constituídos de ferro apresentam coloração avermelhada, e isto acontece bem mais rápido na presença de água: O que causa o aparecimento da ferrugem?

Solicitar aos estudantes que levem para suas casas uma porção de palha de aço e guardem, por alguns dias, em um local de sua preferência, descrevendo o que tem nesse local, ou seja, suas características, o que pode se constituir em uma estratégia para identificar suas ideias relativas às causas do aparecimento da ferrugem. A partir das características dos locais é possível enumerar as hipóteses que eles apresentam para a modificação observada. Em um sentido mais direto, a pergunta “O que tinha no local que provocou a ferrugem?” auxilia. Vários sistemas para observações e registro podem ser construídos a partir das hipóteses apresentadas.

Na Figura, temos quatro sistemas elaborados para as hipóteses: vapor d’água e gases (ar), gás oxigênio em maior quantidade (água), gás oxigênio em menor quantidade (água fervida e óleo) e ausência de água e de gás oxigênio (óleo). Contudo, outras hipóteses podem ser estudadas. Leituras a respeito da exposição do ferro em locais banhados pelo mar podem levá-los a propor sistemas usando sal de cozinha. É importante que os testes para as hipóteses sejam realizados, não somente a partir dos conhecimentos prévios dos estudantes, mas sobretudo de reelaborações a partir de leituras sobre o assunto em livros, revistas, jornais ou internet.

Figura 3: Modificações ocorridas na palha de aço

Fotos: Arquivo dos Autores.

Observe que nos recipientes em que a hipótese investigada é a quantidade de gás oxigênio ocorre a formação da ferrugem, sendo que ela é maior onde há maior disponibilidade do gás. A formação da ferrugem é decorrente da interação do ferro com o gás oxigênio. Esse processo é acelerado na presença de água. A mudança de cor, nesse caso, é uma evidência de que está ocorrendo uma transformação.

Transformação é uma palavra que implica em mudanças. Quantas mudanças a apropriação do conhecimento gera na vida de um indivíduo, em sua forma de pensar e de se relacionar com o que está em sua volta. A explicação para o aparecimento da ferrugem é decorrente de mudanças na forma de pensar, e foi possível a partir do “descobrimento” do gás oxigênio. O conhecimento é uma construção humana e histórica. No texto “Somos Todos Iguais? E o que isso tem a ver com Ciências?” seu autor nos apresenta elementos para essa discussão, considerando a temática seres vivos e corpo humano.

Questionamento ou as perguntas conduzem para diferentes atividades investigativas. Possibilitam reflexões e ações iniciais sobre temáticas de interesse e estão sujeitas a reelaborações durante todo processo investigativo. O desenvolvimento de algumas delas conduzem a novas perguntas, e é ai que reside a relevância da investigação com os estudantes. Neste texto, realizamos vários ensaios de atividades investigativas. Partimos de diferentes questionamentos.

Como medir a diferença entre as força feita para carregar um objeto no ar e na água? Como fazer isso?

Por que alguns objetos afundam e outros flutuam? 

Como os cactos sobrevivem? 

Por que são as tarefas domésticas que aparecem na mídia, já que o maior consumo de água é da agricultura e da indústria?

O que causa o aparecimento da ferrugem?

A elaboração de perguntas é uma característica importante das atividades investigativas. Elas direcionam o trabalho com os estudantes para diferentes possibilidades de estudo: aprender Ciências (conteúdos) e aprender a fazer ciência (atenção sobre os conteúdos, porém procedimentos e técnicas estão sendo empregadas para ajudar a solucionar as perguntas).

Na direção da construção das respostas o planejamento se faz necessário: Como a pergunta será respondida? Trata-se de propor e avaliar os meios pelos quais se pretende responder as perguntas: leituras, observações, experimentos, visitas ou entrevistas. Não existe um modo predefinido para buscarmos responder aos questionamentos. As decisões e escolhas são decorrentes de um processo argumentativo, que é construído pelos envolvidos. Previamente, é necessário avaliar a viabilidade do que é proposto, para evitar expor os estudantes à situação de risco. Recomendo evitar realizar experimentos que envolvam a manipulação de líquidos inflamáveis e materiais cortantes. Leituras, discussões e memórias científicas dos estudantes (registros) aparecem como fundamentais nesse processo. É importante definir momentos para essas tarefas. As memórias do que é pensado, do que se fez, das observações, das entrevistas construídas por meio da escrita, desenhos, fotos ou pequenos vídeos são meios que ajudam o grupo na reconstrução do processo vivido e das aprendizagens realizadas. São também documentos para socialização das investigações.

A realização das tarefas planejadas é um momento de grande envolvimento dos estudantes. Não está desarticulada do questionamento e do planejamento prévio. Quando partimos para a realização do proposto, é possível se avaliar a viabilidade das escolhas feitas no planejamento e fazer adaptações. Assim, o exercício constante entre os objetivos das atividades e sua realização se faz necessário. Tempo para atividades em pequenos grupos são fundamentais para a interação entre os estudantes, e destes com o professor. Saber ouvir os colegas, compartilhar ideias, cooperar um com o outro são atitudes que podem ser incentivadas nessas ocasiões. Também é importante incentivar a socialização das tarefas dos grupos entre si, concedendo espaço e tempo para que eles se expressem oralmente.

A construção da (s) Resposta(s) decorre do processo vivido e refere –se às ideias, compreensões e interpretações realizadas, tendo em vista o propósito do estudo. Relaciona-se não somente com a pergunta, mas com o planejamento e a realização do estudo. Que respostas foram construídas para a pergunta proposta?

Palavras como massa, força, leve, pesado, flutua, afunda, temperatura, água, transformação, dentre outras, estão presentes na fala das crianças desde quando chegam à escola. Nesse espaço, a partir das condições que criamos, podemos compartilhar outros significados, ampliando-os, transformando-os ou substituindo-os. Assim temos, com as atividades investigativas, uma ferramenta para mediar esse processo. Considerando que nossa intencionalidade vai além da reconstrução de significados, devemos arriscar nas investigações que podemos empreender juntos com as crianças, construindo trilhas para poder caminhar na busca dos “porquês” e do “como”.

As situações compartilhadas nesse texto são oriundas de práticas que vivenciei. Algumas delas na condição de professora da Educação Básica. Outras, na condição de professora atuando na formação de professores. São decorrentes de um processo de estudo, desenvolvimento e reflexão sobre a prática, imprescindíveis à nossa condição de professores.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Elementos conceituais e metodológicos para definição dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento do Ciclo de Alfabetização (1.o , 2.o e 3.o anos) do Ensino Fundamental. Brasília: MEC/SEB, 2012.

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