Plugados no ensino de Ciências
Ivanete Zuchi Siple
Luciane Mulazani dos Santos

Conectar (login): Um pouco sobre o muito da tecnologia

Quais tecnologias você utiliza para realizar as tarefas do seu seu dia a dia?
Quais tecnologias você utiliza em sua prática pedagógica?

Resolvemos iniciar esse texto com perguntas para provocarmos reflexões sobre o uso da tecnologia. Ao se responder a essas perguntas, é mais fácil enumerar tecnologias que apoiam as tarefas cotidianas do que decidir quais recursos utilizados nas práticas pedagógicas podem ser definidos como tecnologia. Isso acontece porque há uma discussão anterior: o que é tecnologia?

Tecnologia = techné + logus

A palavra tecnologia vem da junção do termo tecno, do grego techné, que é “saber fazer” e do termo logia, do grego logus, que é “razão”. Há tempos, estudiosos e pesquisadores debatem sobre as fronteiras entre a ciência e a tecnologia. Em uma visão clássica, a tecnologia pode ser definida como uma aplicação prática do conhecimento científico para a solução de um determinado problema. Porém, podemos dizer que essa visão clássica não contempla, na contemporaneidade, a relação entre ciência e tecnologia porque a tecnologia não pode ser entendida apenas como um produto da ciência, pois em muitas situações elas estão conectadas e essa conexão possibilita a evolução de ambas. Percebe-se, assim, uma constante ressignificação do conceito de tecnologia, em um movimento compatível com o “fazer ciência”.

Para exemplificar essa relação entre a ciência e a tecnologia, vamos lembrar da criação do telescópio e pensar sobre a seguinte questão: qual foi o papel desta tecnologia (o telescópio) para o desenvolvimento da Ciência? Estudando a história da Ciência, podemos ver como a utilização do telescópio em experimentos, como um aparato tecnológico, foi importante para que Galileu Galilei, no século XVII, ressiginificasse muitas das certezas da Ciência. Por muitos anos, a humanidade acreditou que a Terra era imóvel e que os outros astros giravam ao seu redor. Galileu foi um dos que propiciou evidências de que os planetas giravam em torno do Sol e não em torno da Terra. Esse é um dos exemplos que mostram como o desenvolvimento da tecnologia contribuiu para o avanço da Ciência. Por outro lado, a Ciência é também responsável pelo avanço da tecnologia. A edição de fevereiro de 2014 da revista Ciência Hoje divulgou notícia sobre o lançamento, previsto para 2024, de um supertelescópio espacial. Chamado de Plato (Planetary Transits and Oscillations of Stars), este aparato tecnológico – construído como um satélite formado por 34 telescópios e 136 câmeras acopladas – poderá vasculhar, segundo os cientistas, mais de um milhão de estrelas em busca de planetas gêmeos da Terra. A partir dessa atividade, será possível medir os tamanhos, as massas e, por consequência, as idades dos planetas e sóis encontrados, o que levará a comunidade científica, muito provavelmente, ao debate sobre as possibilidades desses “novos” sistemas solares serem parecidos com o sistema solar e, portanto, abrigarem vida. Serão novas informações sobre o espaço, acessíveis por meio de uma nova tecnologia.

Há, ainda, outra questão que permeia a discussão sobre o que é ou o que não é tecnologia. Muitas das vezes em que se fala sobre tecnologia, há referências às novidades mais recentes ou aos projetos inovadores para o futuro. Ou, pensa-se na tecnologia como sinônimo de um aparato que pode ser conectado na tomada ou na internet. Mas, será mesmo que essa é a melhor definição para tecnologia? Vamos ver que não.

Ao longo do tempo, e em diferentes espaços, a humanidade criou e adaptou tecnologias para o desenvolvimento de ferramentas que a ajudassem a resolver problemas e melhorar a qualidade de vida. Foram criadas, assim, desde soluções para sobrevivência na sociedade – como lanças feitas com galhos ou ossos – até soluções para conhecer o mundo fora dos nossos limites, como supertelescópios que exploram o universo. Na história do avanço tecnológico levada para o contexto educacional, a lousa de giz (ou quadro de giz, quadro negro, verde ou branco) pendurada nas paredes das escolas foi a representação, por muito tempo, de uma tecnologia inovadora. A tecnologia “lousa de giz” existe desde o final do século XIX. Seu uso, nas escolas, fez parte de uma revolução nos métodos de ensino dos professores, com direito a um espaço central na sala de aula. Naquela época, a lousa de giz nas salas de aula caracterizava a escola moderna e inovadora. O professor utilizava a lousa de giz para as aulas de leitura e escrita como aparato tecnológico, um recurso inovador que transformou o processo de ensino antes baseado somente na oralidade. Isso é retratado na seguinte afirmação divulgada em uma revista pedagógica francesa de 1901: “o melhor professor é aquele que mais usa o giz12. Com a lousa de giz, era possível utilizar a escrita como suporte à oralidade. Pense nisso como uma revolução tecnológica! Uma revolução para aquela época! E o processo de inovação não parou por aí. Hoje, muitas escolas do nosso país possuem as lousas digitais, “lousas de giz” interativas e sensíveis ao toque, como grandes telas de computador projetadas na parede que podem ser utilizadas pelo professor para apresentar textos, imagens, vídeos, animações e outros recursos digitais, de tal maneira que possa interagir com eles de uma forma também inovadora para os tempos em que vivemos. A lousa digital já é um recurso tecnológico presente em muitas escolas e vem sendo utilizada pelos professores em suas práticas pedagógicas. Esses são exemplos que mostram que a definição de tecnologia, e sua relação com a Ciência, depende do contexto social e temporal de uso e aplicação. Mas o que é certo é a evidência das transformações vividas por conta da inserção da tecnologia no cotidiano.


12 (Musée Pédagogique, 1901, p.186, apud Bastos, 2005).
Musée Pédagogique et Bibliothèque centrale de l’Enseignement primaire. Notes sur les origines du tableau noir. Revue Pédagogique. Paris, t. XXXVIII, n. 1, pp. 186-188, 15 janvier/1901

O relato abaixo mostra como a professora alfabetizadora Juliana Caroline Chiafitela Loch, da Escola Municipal Severo Ribeiro de Camargo, do município de Colombo, Paraná, utilizou a lousa digital com os alunos do primeiro ano. O trabalho da professora Juliana envolveu, de forma articulada, conteúdos de Ciências, Português, História, Geografia e Matemática. No relato sobre a sequência didática “A História da Galinha Ruiva”, ela nos conta como fez uso da tecnologia em sua prática para trabalhar conteúdos de Ciências relacionados aos temas Alimentação e Animais.

TRABALHO COM A LOUSA DIGITAL PARA CONTAR A HISTÓRIA DA GALINHA RUIVA

Relato de experiência da professora Juliana Caroline Chiafitela Loch, da Escola Municipal Severo Ribeiro de Camargo, do município de Colombo, Paraná.

Este trabalho foi realizado com uma turma de 30 alunos do primeiro ano, sendo 19 meninos e 11 meninas, no período vespertino. As atividades iniciaram com uma contação de história. Utilizando um livro didático, contei para eles a fábula “A Galinha Ruiva”. Depois da história contada, expliquei para os alunos que essa é uma fábula de domínio público, que há várias versões sobre ela, contadas em diferentes livros. Utilizando a lousa digital, mostrei para eles capas de diferentes livros que contam essa mesma história.

Foto: Arquivo dos Autores.

A nossa escola possui 6 salas de aula, sendo que 2 delas têm uma lousa digital instalada na parede, desde 2011, do modelo que usa uma caneta. A minha sala é uma dessas que têm a lousa instalada e eu costumo usá-la uma vez por semana. Quando outra professora quer usar a lousa digital em suas atividades, nós fazemos uma troca de salas num esquema de rodízio que acontece entre nós. Acho muito bacana utilizar os recursos audiovisuais na sala de aula, pois nossos alunos são muito integrados a estes recursos pelo acesso que têm a aparelhos eletrônicos e tecnológicos; acredito que estes recursos atraem mais os alunos. Porém, os métodos também devem ser inovadores, pois não adianta mudar o suporte se não mudamos os métodos de ensino. Os meus alunos gostam muito das aulas em que usamos a lousa digital, por ser mais atraente que outros suportes e por permitir uma interação mais próxima do que eles estão acostumados, pois todos interagem com celulares e tablets. Quando eu digo que vamos utilizar a lousa eles respondem com um: “oba!!!”.

Neste dia, depois que fizemos a leitura, conversamos sobre o tema da história, seus personagens e sua moral, pois, como era uma fábula, há o momento da “moral da história”. Depois, pedi aos alunos que reproduzissem a história desenhando quadrinhos de acordo com sequência dos fatos acontecidos.

Fotos: Arquivo dos Autores.

No dia seguinte, utilizamos novamente a lousa digital para uma minissessão de cinema, quando assistimos a uma versão da história em formato de vídeo e também ouvimos e cantamos uma música sobre ela. Escrevi no quadro a letra da música para os alunos copiarem.

Fotos: Arquivo dos Autores.

No caderno, os alunos fizeram registros sobre a história e sobre a nossa conversa a respeito dos personagens, sobre o local onde se passa a história, sobre a vida dos animais etc. Montamos, em conjunto, minilivros de história.

Fotos: Arquivo dos Autores.

As crianças fizeram um caderno de receitas com a receita de bolo de fubá, como aquele feito pela Galinha Ruiva na história e com outras receitas trazidas de casa, pesquisadas junto com os pais.

Fotos: Arquivo dos Autores.

Além do trabalho com a escrita, as crianças confeccionaram máscaras dos personagens, as vestiram-nas e cantaram a música que ouvimos na aula em que utilizamos a lousa digital. Com a sequência didática desenvolvida, foi possível trabalhar conteúdos de Língua Portuguesa, Ciências, Matemática, História e Geografia.

A leitura da história, a sessão de cinema, o desenho da história na forma de quadrinhos, a confecção do minilivro e a escrita do livro de receitas motivaram estudos e discussões sobre temas de Ciências. Como a contação de história pela qual se iniciou a prática didática utilizou a fábula da Galinha Ruiva, estudamos as características dos animais que eram personagens da história, onde vivem (habitats), se eram mamíferos, se botavam ovos, se tinham penas, se eram aquáticos, aéreos ou terrestres. Estudamos também o tema alimentação saudável a partir da receita do bolo de fubá, feito pela Galinha Ruiva na história. Apresentei para os alunos a pirâmide de alimentos, explicando como e por que cada tipo de alimento ocupava determinada posição e o que isso tinha a ver com a importância de uma alimentação balanceada e saudável para o nosso organismo. Discutimos, assim, os hábitos alimentares de cada um dos alunos, que fizeram registros por meio de desenhos e de recortes de imagens diferenciando alimentos saudáveis daqueles que devemos evitar, por não fazerem bem para a saúde. Também foram utilizadas algumas atividades sobre a alimentação saudável, para complementar o conteúdo.

Fotos: Arquivo dos Autores.

As crianças corresponderam bem às expectativas elaboradas no planejamento da atividade e gostaram principalmente de assistir ao filme na lousa digital, da montagem dos minilivros e do trabalho com as máscaras.

À medida que nós usamos essas tecnologias, nós também as transformamos. Mas, em semelhante proporção, as tecnologias nos transformam e (re)constroem muitas de nossas práticas, tanto pessoais quanto profissionais.

No processo de alfabetização, diferentes tecnologias se fizeram presentes ao longo do tempo. Além do uso da lousa de giz como complemento ao ensino baseado na oralidade, pense também sobre que tecnologia é necessária para a produção e publicação de um texto escrito: do uso do papiro à tela digital do computador, muita tecnologia foi desenvolvida! A psicolinguista Emilia Ferreiro, em entrevista13 cedida à revista Educação, disse: “parece que as novas tecnologias começaram ontem. E não! A tecnologia começou com a caneta; antes da caneta havia o lápis e antes dele tinha a pena...”. O conceito de tecnologia é complexo, mas fica fácil entender seu papel na sociedade e no desenvolvimento da Ciência quando conhecemos e refletimos sobre transformações resultantes do uso de aparatos criados com a tecnologia.

Atualmente falamos muito em TICs. Você já ouviu falar delas? Se ainda não ouviu falar, certamente já as utilizou em seu trabalho, no lazer ou nos estudos. TICs são as Tecnologias de Informação e Comunicação: um conjunto de recursos tecnológicos integrados de hardware, software e telecomunicação que automatizam diferentes práticas humanas de educação, lazer, comunicação, saúde e trabalho, por exemplo. Uma grande responsável pelo desenvolvimento e aplicação das TICs é a internet. Graças à popularização da internet e aos recursos das TICs, usamos engenhocas plugadas – computadores, smartphones, tablets, câmeras digitais, televisores, aparelhos de GPS, plataformas de educação a distância, redes sociais, etc. – que transformam as formas de comunicação, o acesso à informação, a socialização, a interação e a educação.

Você já observou como essas transformações estão acontecendo na maneira como as crianças estabelecem relações com o mundo que as cerca?

O uso da tecnologia é natural para muitas crianças. Basta ver, à nossa volta, como elas usam tablets e celulares, por exemplo, para assistir a filmes, ler e utilizar jogos. É uma geração de nativos digitais, ou seja, de pessoas que não conhecem o mundo sem essas tecnologias, um cenário novo que tem levado educadores e pesquisadores a questionarem e refletirem criticamente sobre a integração das TICs no ambiente escolar do Ciclo de Alfabetização.

Nós discutimos a alfabetização científica, levando em consideração a questão:

Como e quando usar a tecnologia para ensinar Ciências para as crianças que estão no Ciclo de Alfabetização?

Essa é uma dúvida presente em sua prática pedagógica? Você não está só!

Apesar da vasta disseminação das TICs, ainda é frágil a sua integração no contexto educacional. Ainda que se façam presentes por meio de políticas públicas (laboratórios de informática, TV escola, distribuição de tablets etc.), ou por iniciativas individuais (computadores, tablets ou smartphones de professores e alunos) é incipiente o uso desses recursos durante as aulas. Muitas escolas não possuem recursos disponíveis para os alunos, como computadores ou conexão com a internet. Há, também, situações em que os recursos existem, mas não são utilizados da forma como poderiam ser. 

O fato é que a tecnologia, quando utilizada nas escolas, pode contribuir de forma positiva para a alfabetização científica. Ciência e tecnologia nos possibilitam uma melhor compreensão de fenômenos cotidianos, fazendo com que encontremos respostas para os nossos porquês. E, não raras vezes, tais respostas desencadeiam uma nova série de questionamentos. Quando esse processo é mediado pela tecnologia, novos porquês e novas respostas surgem.

Escrever sobre “como” e “quando” utilizar a tecnologia para a alfabetização científica parece-nos uma tarefa tanto atraente quanto complexa. É complexa no sentido que, como dizem algumas pessoas que pesquisam sobre o tema, o trabalho de discutir o uso da tecnologia na Educação pode ser comparado com a tarefa de descrever um vulcão em erupção. Imagine-se tentando descrever o que acontece quando um vulcão está em erupção. Quantas coisas mudam enquanto você pisca os olhos! A tecnologia contemporânea, ou seja, a tecnologia com a qual convivemos em nosso cotidiano, nos apresenta maneiras surpreendentes de operação e comunicação que eram inimagináveis há um tempo não muito remoto. E tudo muda muito rápido! Pense o quão atraente e desafiador pode ser o trabalho com tecnologias na escola!

Você já se pegou refletindo sobre coisas assim:
Como meus alunos conseguem usar o celular melhor do que eu?
Como as crianças pequenas, que mal sabem caminhar, já sabem mudar o canal da TV usando o controle remoto?

Quando as crianças não precisam de um manual para descobrirem como explorar um celular ou um tablet é porque, nativas da era digital, elas abraçam a tecnologia de uma maneira natural. Para elas, a curiosidade faz parte de sua maneira de pensar e interagir com o mundo e essa curiosidade as leva, sem medo, a experimentarem.

É importante, no processo de alfabetização científica, que o professor realize atividades que possibilitem que a criança experimente, investigue e descubra respostas. Práticas que se utilizem da tecnologia e que potencializem a curiosidade das crianças podem contribuir para o “fazer ciência” na escola.

A internet, um dos pilares da era digital, revolucionou as formas e o acesso às informações, para nós professores. Porém, para muitas crianças, o acesso a essa informação talvez seja tão natural quanto a velha enciclopédia, conforme retrata uma das tirinhas do livro “Armandinho”, publicadas em 2011 no jornal “Diário Catarinense”:

Fonte: Armandinho (BECK, 2014).

Armandinho quer descobrir quantos são os planetas do nosso sistema solar. Busca o pai para encontrar a resposta para esse problema? Não! Armandinho pergunta para o pai se pode usar a internet para pesquisar. Essa é uma tirinha que mostra o tipo de relação que as crianças mantêm com a tecnologia.

O uso das tecnologias no ensino de Ciências é uma janela para o mundo, pois permite a criação de novas e diferentes situações nas quais a criança tem condições de investigar, observar, conjecturar, refutar e/ou validar suas hipóteses de uma maneira diferente, caso fosse feita sem o uso da tecnologia.

É como pensar nas tecnologias da “lousa de giz” e da “lousa digital”: aparatos tecnológicos com diferentes recursos mobilizam diferentes maneiras de ensinar e aprender. O importante, para a alfabetização científica, é que as crianças estejam envolvidas em atividades que permitam que elas encontrem respostas para seus curiosos porquês e, assim, entendam o mundo a sua volta. Quando o uso da tecnologia aparece como uma alternativa inovadora, deve ser bem-vinda na sala de aula. É nosso papel como professores, no ensino de Ciências, propiciar aos nossos alunos situações nas quais eles possam potencializar o uso da tecnologia para que as pequenas mãos realizem grandes ideias.

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Para a educação, discutir o desenvolvimento e uso da tecnologia é essencial. A tecnologia muda tão rapidamente quanto um vulcão em erupção; diferentes grupos de educadores, pesquisadores e pessoas que trabalham com tecnologia e educação realizam estudos sobre o tema visando a pensar como será o futuro e como preparar os professores para trabalharem com as tecnologias em sala de aula. Alguns dos resultados desses estudos referem-se a muitas das perguntas que nos fazemos, dia a dia, sobre como usar a tecnologia no Ciclo de Alfabetização para a alfabetização científica.

Que tecnologias utilizar, no Ciclo de Alfabetização, como apoio aos processos de ensino e aprendizagem de conteúdos de Ciências?

Como organizar as práticas pedagógicas para o uso da tecnologia no Ciclo de Alfabetização?

Qual o papel do professor no trabalho com tecnologias no Ciclo de Alfabetização? E dos alunos?

Como “fazer ciência” na alfabetização científica com o uso da tecnologia?

Já falamos sobre como a tecnologia muda a forma como as pessoas interagem e se comunicam com o mundo que as cerca. Sendo a escola parte desse mundo, lá também novas formas de ensinar e de aprender devem ser consideradas, o que leva à necessidade de constante revisão das práticas do professor (e da escola) para que se enfrentem os desafios da contemporaneidade: valorização da formação continuada; quebra de resistência quanto ao uso de dispositivos e aplicativos tecnológicos nos processos de ensino e aprendizagem; melhor conexão entre a aprendizagem formal e informal; personalização de recursos didáticos e de práticas pedagógicas, considerando o público de alunos adaptados à era digital.

Com a disponibilidade das tecnologias, cada vez mais portáteis e financeiramente acessíveis, com a disseminação de softwares gratuitos e de outros recursos tecnológicos educacionais, o ensino de Ciências no Ciclo de Alfabetização pode mudar de orientação. As potencialidades das ferramentas tecnológicas abrem um grande leque de possibilidades para a realização de experimentos e práticas pedagógicas inovadoras, dificilmente realizadas sem o uso de tecnologias. A ciência e a tecnologia estão hoje muito conectadas, pois também a tecnologia possibilita à ciência o desenvolvimento de experimentos nunca antes imaginados. Por exemplo, o acelerador de partículas LHC, ou telescópios como o hubble.

Para respondermos uma das perguntas que fizemos no início deste texto, “Quando usar a tecnologia?”, dizemos: quando a tecnologia puder potencializar a aprendizagem de conteúdos. O uso de uma determinada tecnologia deve proporcionar uma melhor compreensão do objeto, possibilitando uma perspectiva diferenciada de conhecimento e de aprendizagem, sem a qual não seria possível desenvolver uma determinada ação. Tomamos como exemplo a possibilidade da criança conhecer o mundo sem sair da sala de aula (aplicativos Google Earth e Google Maps), conhecer o funcionamento do corpo humano de maneira interativa (aplicativos no celular ou tablet), explorar o universo (softwares livre – Stellarium14, museus virtuais), realizar experimentos e simulações (laboratórios virtuais).

Entretanto, para responder a questão “como usar”, temos que adotar o pressuposto de que apenas a inserção das tecnologias no ambiente escolar não garante uma qualidade de ensino; os efeitos do uso da tecnologia no ensino de Ciências não são determinados apenas pelas potencialidades técnicas das ferramentas, mas também pela forma como estas são incorporadas na prática pedagógica. Devemos lembrar que mais do que simples auxiliares pedagógicas, as ferramentas poderão ser fontes de novas práticas pedagógicas inspiradas pela pesquisa. Entretanto, sem uma adaptação ao ensino, em termos de conteúdos e metodologia, a sua utilização ofusca os processos de ensino e aprendizagem. O papel do professor mediador, na era digital, é fundamental na integração das tecnologias. A tecnologia faz parte do mundo da criança; o papel do professor deve ir além de mediador, sendo conector, no sentido de propiciar que a criança tenha direito a um ensino interligado com diversos campos de conhecimento e com a realidade, que permita que ela experimente a aprendizagem conectada em rede com o uso das tecnologias da era digital, tanto em sala de aula como fora dela. Na era de tanta informação, ser um professor conector é um aprendizado contínuo, difícil, complexo e envolvente.


14 O Stellarium é um planetário de código aberto gratuito para o seu computador. Ele pode ser acessado em: <http://www.stellarium.org/pt/>.

Da Era analógica à digital

Em meio a toda essa discussão sobre as potencialidades e desafios do uso da tecnologia em processos de alfabetização científica, é preciso atentarmos para o fato de que não é porque temos uma imensa gama de novas tecnologias que adentraram em nosso cotidiano que as “velhas” tecnologias não possam ser mais exploradas. Levar a criança a refletir e vivenciar experiências faz parte do ensino de Ciências. Essas “velhas” tecnologias podem propiciar muitos momentos interessantes às crianças. Então, que tal construir algumas engenhocas com seus alunos? De acordo com o dicionário online de português, engenhoca é um aparelho rudimentar, de fácil invenção. Que tal construir um telefone com seus alunos? O material utilizado é simples: copos descartáveis e barbante! Com essa engenhoca, é possível envolver as crianças em um experimento sobre modos de comunicação. Como isso é possível? O que parece mágica é explicado pela ciência, como demonstrado no experimento “telefone de copos” publicado pela revista Ciência Hoje15. Aproveite para discutir com seus alunos a evolução da tecnologia de comunicação ao longo do tempo. E por falar em tempo, que tal construir um relógio do sol com seus alunos? A revista Nova Escola16 explica como construir esse aparato tecnológico. Com essa tecnologia, é possível discutir o fuso horário, latitude, rotação e as alterações das sombras. Como esse relógio funciona, se não tem corda nem bateria? Escolha um dia ensolarado para mostrar às crianças que quando os raios do sol incidem sobre o relógio, a sombra da haste indica a hora local. Aproveite a situação para discutir com seus alunos a confrontação dos dados encontrados pelo relógio solar com o relógio analógico e o relógio digital, que pode ser o do celular ou do computador. Por que isso acontece? O movimento da Terra em torno do Sol não é uniforme em todas as estações.

E que tal comparar a hora local com a hora daquele instante em outro país? E utilizar um termômetro para conhecer a temperatura local e confrontá-la com a de outros lugares do mundo? Se você tem acesso a uma conexão com internet, essas são atividades possíveis de serem realizadas para questionar coisas que podem ser explicadas pela Ciência. São trabalhos de alfabetização científica que podem ser realizados em conjunto com o desenvolvimento da oralidade e das práticas de investigação e de resolução de problemas, complementando pontos importantes do processo de alfabetização.

Para mostrarmos formas de trabalhar com as diferentes tecnologias e com temas de Ciências, trazemos aqui a experiência de outra professora que também trabalhou com a história da Galinha Ruiva. É o relato da professora Maieli Basso, da Escola Municipal Dalva Ana Bortolini, do município de Clevelândia, Paraná, que trabalhou, em sua sequência didática, os conteúdos de Ciências articulados com Língua Portuguesa, Matemática, Artes e Educação Física.

TRABALHO COM O CINEMINHA DE CAIXA DE MADEIRA PARA CONTAR A HISTÓRIA DA GALINHA RUIVA

Relato de experiência da professora Maieli Basso, da Escola Municipal Dalva Ana Bortolini, do município de Clevelândia, Paraná.

Levando em consideração a idade em que os alunos ingressam no primeiro ano, (no caso de nosso município, 5 anos) trabalhei com histórias que hoje já não são muito utilizadas, com recursos também já esquecidos, como é o cineminha de madeira, resgatando assim antigos métodos que as crianças de hoje desconhecem. O tema surgiu a partir da história “A Galinha Ruiva”, de fácil compreensão e com excelente conteúdo para a sequência didática desenvolvida. A turma, até então, não havia se familiarizado com os padrões silábicos que formavam as palavras, e a partir desta história iniciou-se a alfabetização propriamente dita. Abri o projeto com a fábula da Galinha Ruiva, contada com o cineminha feito com caixa de madeira, um recurso da escola que já estava esquecido mas que a turma adorou resgatar!

Fotos: Arquivo dos Autores.

Depois de assistirem ao filme, os alunos falaram sobre a história em nossa “Roda de Conversa”. Eles falaram sobre os personagens e o que acharam das atitudes deles na história. Realizei questionamentos orais, perguntando se eles sabiam como nasce a galinha e o que a galinha nos oferece. Fiz isso também com os demais personagens. Visitamos um galinheiro da comunidade, nos arredores da escola, observando que a galinha é um animal doméstico, que se pode até ter em casa. Os alunos conheceram e tocaram no corpo da galinha, observando quantos pés e quantas asas ela tem; alguns deles não conheciam uma galinha de verdade e sentiram medo, pois pensaram que ela iria oferecer algum perigo ou mordê-los.

Fotos: Arquivo dos Autores.

Observamos e manuseamos outros textos cujo tema é a galinha, como “A galinha do vizinho” e assistimos a um vídeo da história da “Galinha Ruiva” e outro da “Galinha Pintadinha”, usando o data show na biblioteca da escola, sentados em colchonetes espalhados pelo chão. Realizamos atividades de estudo das palavras, e também dos animais que apareceram na história: suas características e como se escreve o nome de cada animal, através da cruzadinha. Confeccionei uma galinha de E.V.A. com uma abertura na sua barriga para que os alunos fossem colocando os ovinhos neste local. Cada ovinho foi numerado de 1 a 10 e, enquanto falávamos a parlenda da galinha do vizinho, os alunos iam colocando os ovinhos na barriga da galinha.

Fotos: Arquivo dos Autores.

Fizemos uma galinha gigante para enfeite de sala. As penas foram feitas pelos alunos desenhando e recortando as suas mãozinhas.

Fotos: Arquivo dos Autores.

Trabalhamos a diferença entre o grão de milho verde e de pipoca: ambos são milhos, mas cada um serve para uma coisa. Os sabores foram trabalhados com auxílio de uma venda. Cada aluno foi vendado e deveria adivinhar, somente pelo paladar, o alimento provado. Junto com os alunos, fizemos o bolo da galinha ruiva, observando os ingredientes, quantidades e também o que é um utensílio doméstico. Expliquei qual a função de cada ingrediente, discutindo a alimentação saudável.

Fotos: Arquivo dos Autores.

Aproveitei a moral da história para mostrar a eles que, apesar de pequenos, devem ter responsabilidades, como auxiliar a família em pequenas tarefas. Fizemos também um jogo da memória e brincamos na quadra da escola de “galinha choca” e também de “galinha procurando os pintinhos”. Confeccionei a lembrancinha da história, um pintinho filhinho da galinha ruiva, feito com lã. Eles amaram!

Fotos: Arquivo dos Autores.

Com essas atividades, os alunos conheceram os padrões silábicos que formam a palavra galinha; conheceram o animal galinha, suas características e habitat; compreenderam a sequência numérica dos números até 10, desenvolveram a oralidade, o gosto pela leitura, o espírito de solidariedade, cooperação, colaboração e respeito. Com relação ao estudo de Ciências, conheceram as semelhanças dos animais que se encaixam na espécie das aves, curiosidades sobre as aves, período de desenvolvimento da galinha, desde o ovo até a fase adulta, e também o desenvolvimento das plantas (milho), do que as plantas precisam para se desenvolverem. Ao final, concluí que as crianças adoram ouvir histórias para aprender os conteúdos.

Este relato ajuda a ilustrar como a tecnologia pode estar presente, de diferentes maneiras, nas práticas pedagógicas de alfabetização científica. A professora Maieli, ao utilizar o cineminha feito de caixa de madeira e os eletrodomésticos (liquidificador e forno de micro-ondas), se utiliza de recursos que, talvez, não aparecessem em nossas respostas à pergunta sobre se usamos a tecnologia em nossas práticas pedagógicas, feita lá no início deste texto. Mas, são tecnologias!

Desligar? Não. Reiniciar! (Shut down? No. Restart!)

Como movimento final, queremos ressignificar o contexto das chamadas das seções desse texto, as quais podem ser estendidas para os demais tópicos, pois no momento em que você, fez o login você está conectado e isso implica em fazer conexões entre as diversas metodologias apresentadas ao longo desse material e que podem contribuir para a sua prática com a alfabetização científica de seus alunos. Por isso é importante, num primeiro momento, que exista a vontade de entrar nesse processo e, para isso, é necessário uma permissão – sua senha – a qual, nesse mundo em constante mudança, passa pela necessidade de formação continuada. É indispensável que o professor busque metodologias que favoreçam o aprendizado de Ciências no Ciclo de Alfabetização. Porém, é salutar que os cursos de formação de professores, tanto em nível inicial quanto continuado, preocupem-se em bem preparar os professores tanto com relação aos conteúdos disciplinares diretamente relacionados com a área de formação, quanto com aqueles ligados ao exercício da profissão. Tratando especificamente do uso da tecnologia na educação, é fundamental que as questões relacionadas com a exploração das potencialidades das tecnologias da era digital para ensino e aprendizagem da Ciência no Ciclo de Alfabetização tenham o seu espaço na formação continuada dos professores.

Essa formação continuada é necessária não apenas para conhecer a vasta gama de recursos tecnológicos que adentram em nosso cotidiano, mas também pela possibilidade do “salvar como”, que possibilita o compartilhamento de discussões, experiências e ideias que modificam e potencializam os recursos e metodologias no ensino de Ciências. E nesse processo, tal como as tecnologias possibilitam novas abordagens do ensino de Ciências, também é a Ciência que as tornam incrivelmente potenciais. A Educação Científica e Tecnológica pode possibilitar resultados e propiciar novas práticas que anteriormente não foram imaginadas. Entretanto, para isso, é importante sempre se ter em mente que o Ensino de Ciências mediado pelas tecnologias a todo momento exige um reiniciar, uma aprimoração dos passos anteriores, não no sentido de repetir os mesmos caminhos, mas aprimorá-los de tal forma que possibilitem uma Educação de qualidade. Portanto, não desligue; reinicie sempre que possível. Assim, poderemos construir um futuro melhor.

Referências

ASTOLFI, Jean Pierre; PETERFALVI, Brigitte; VÉRIN, Anne. Como as crianças aprendem as Ciências. Lisboa: Instituto Piaget, 1998.

BECK, Alexandre. Armandinho: um. Artes & Letras, 2014.

BASTOS, M.H.C. Do quadro-negro à lousa digital: a história de um dispositivo escolar. Cadernos de História da Educação. n. 4, jan./dez. 2005.

CHASSOT, Attico. Alfabetização científica: questões e desafios para a educação. Ijuí: Unijuí, 2011.

LORENZETTI, Leonir; DELIZOICOV, Demétrio. Alfabetização científica no contexto das séries inicias. Ensaio – Pesquisa em Educação em Ciências, v. 3, n. 1, jun. 2001.

UNESCO. O Futuro da aprendizagem móvel: implicações para planejadores e gestores de políticas. Brasília: UNESCO, 2014. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0022/002280/228074por.pdf>. Acesso em: março de 2015.

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