Alfabetização Científica: um direito
de aprendizagem 
Mauro Carlos Romanatto
Alessandra Aparecida Viveiro

Diante da ciência, não devemos ostentar nem um ceticismo desconfiado, nem uma fé cega, e sim uma admiração profunda e uma confiança razoável. Gilles-Gaston Granger (1994, p. 114)

Introdução

No amplo cenário de contextos e atividades do dia a dia, vivemos em um mundo em que a ciência e as tecnologias estão fortemente presentes e, muitas vezes, são consideradas indispensáveis. Para uma parcela da população é possível acordar com o despertar do celular, fazer refeições com dietas sugeridas por nutricionistas, utilizar meios de transporte, realizar compras e operações financeiras pela internet, conectar-se com o mundo por e-mails ou redes sociais. Quando temos algum problema de saúde, aparelhos diagnosticam doenças, são prescritos remédios e próteses são utilizadas, incorporando tecnologias ao ser humano. Por outro lado, convivemos com diversos tipos de poluição, por exemplo, que muitas vezes trazem consequências desastrosas para a vida nos ambientes.

Por isso, a Alfabetização Científica é uma das prioridades do Ensino de Ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental, pois pode contribuir para uma leitura e interpretação de mundo que favoreça posicionamentos e tomadas de decisão, de modo crítico e criativo, em questões que envolvam nós, os outros e o ambiente.

A expressão Alfabetização Científica é polissêmica, ou seja, é uma expressão que reúne vários significados. Assim, trabalharemos na perspectiva de alguns consensos em relação ao termo. Nesse sentido, a Alfabetização Científica será concebida como um processo que deve articular: domínio de vocabulário, simbolismos, fatos, conceitos, princípios e procedimentos da ciência; as características próprias do “fazer ciência”; as relações entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente e suas repercussões para entender a complexidade do mundo possibilitando, assim, às pessoas, atuar, avaliar e até transformar a realidade.

Neste texto, daremos ênfase aos aspectos do “fazer ciência” ou da atividade científica por entender que eles podem ser elementos essenciais em situações de ensino e aprendizagem que envolvem o processo de Alfabetização Científica.

O cientista e escritor norte-americano Carl Edward Sagan, um grande divulgador da ciência, escreveu um livro em 2006 no qual discute que a ciência é mais do que um corpo de conhecimento: é um modo de pensar. Assim, quando os professores alfabetizadores trabalham, desde os anos iniciais da escolarização, com esse modo de pensar próprio da ciência, possibilitam que as crianças elaborem e se apropriem de conhecimentos e desenvolvam capacidades que contribuem para sua Alfabetização Científica. A atividade científica possibilita às crianças aprimorarem seus pensamentos e ideias na medida em que podem observar e conjecturar, assim como investigar as suas realidades, aperfeiçoando suas explicações sobre os fenômenos observados e investigados. 

Nessa perspectiva, este texto procura destacar algumas características da atividade científica com as quais é possível trabalhar com os alunos de forma articulada com os demais componentes curriculares, para promover a Alfabetização Científica.

A atividade científica tem uma série de características que lhe são próprias. Isso envolve tanto aspectos internos (seu fazer) quanto externos (suas relações com tecnologia, sociedade e ambiente).

Abordaremos algumas dessas características por considerá-las importantes para a Alfabetização Científica. No entanto, deixamos claro, aqui, que no decorrer do trabalho em sala de aula, a partir de situações e atividades didáticas diversas, outras características podem surgir e devem ser exploradas.

Algumas características da atividade científica e relações com o Ensino de Ciências

A primeira característica da atividade científica é que mobilizamos conhecimentos quando nos admiramos ou surpreendemos com um fato, fenômeno ou evento da realidade (física, humana ou pensamento). Isso nos leva a uma pergunta, um questionamento, e pode nos impulsionar a uma investigação. Então, temos o foco sobre a interação entre a curiosidade da mente humana e a realidade do mundo. A pergunta e a tentativa de buscar uma resposta é aquilo que move o conhecimento científico.

O ser humano observa a realidade física e, em função de regularidades e padrões que ela apresenta, procura criar modelos, ou teorias, que procuram descrever, explicar e interpretar como funcionam os fenômenos que geraram os questionamentos.

Cabe ressaltar que, em um primeiro momento, são as regularidades ou os padrões presentes nos fenômenos que nos permitem construir interpretações. No entanto, a natureza também nos surpreende com o aleatório e o não pensado, assim como com irregularidades e imperfeições.

Marcelo Gleiser, cientista e divulgador científico brasileiro radicado nos Estados Unidos, escreveu um livro (GLEISER, Marcelo. Criação imperfeita. Rio de Janeiro: Record, 2010), em 2010, no qual afirma que, embora a ciência trabalhe com regularidades, as evidências apontam para cenários em que tudo emerge de imperfeições fundamentais, assimetrias primordiais na matéria e no tempo, acidentes cataclísmicos no início da vida, erros na duplicação do código genético. Por exemplo, a quantidade de água, oxigênio e ozônio, a densidade da atmosfera, a presença de um campo magnético, são algumas singularidades que possibilitaram a existência de vida na Terra. Assim, o nosso planeta é muito especial. E mais, somos produto dele e das suas condições. Se elas mudam, nossa sobrevivência fica ameaçada.

Que tal levar os alunos para fora da sala de aula? Pode ser no pátio da escola, no seu entorno ou em outros espaços; a ideia é observar as relações da vida nestes ambientes. Estando fora da sala de aula, com um planejamento, as crianças fazem a observação, a comparação e a identificação de semelhanças e diferenças e podem ser mobilizadas a identificar aspectos, regularidades e padrões que despertem sua curiosidade, elaborando perguntas que podem gerar investigações.

Por exemplo, podemos levar os alunos a observar fenômenos relacionados à ação do ser humano no ambiente, a fazer questionamentos e elaborar hipóteses sobre as possíveis causas dessas ações, desencadeando investigações que permitam um posicionamento crítico sobre os aspectos envolvidos.

A expressão oral, o registro nas mais variadas formas e, quando possível, a coleta de alguns materiais podem fazer parte dessa atividade. Outras estratégias de ensino e aprendizagem, como a pesquisa e a experimentação, por exemplo, podem ser utilizadas na busca de respostas.

A visita a espaços como museus, zoológicos, parques ecológicos, estações de tratamento de água e esgoto, indústrias, cooperativas de reciclagem, aterros sanitários, entre outros, possibilita o acesso a informações, conhecimentos e favorece o entendimento das relações entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente.

Na atividade científica, é importante considerar que as nossas limitações determinam possibilidades para a compreensão do mundo, sobretudo da realidade física; por exemplo, o nosso olfato não pode ser comparado ao de um cão, a nossa visão é bastante diferente da de uma galinha; as medidas que fazemos com instrumentos dependem diretamente dos materiais com os quais eles são feitos, da precisão e da nossa habilidade de ler as medições. Mesmo assim, a evolução da ciência pode ocorrer tanto por revoluções conceituais (o Sol ao invés da Terra como centro de nosso Sistema, por exemplo) quanto por revoluções tecnológicas (o microscópio, o telescópio, entre outras).

Com sua imaginação e criatividade, o ser humano recria a natureza e, usando a intuição, constrói os modelos interpretativos. Embora a ciência procure estabelecer verdades sobre o funcionamento dos fenômenos da realidade, a própria atividade científica deve promover nos alunos a capacidade crítica, ou seja, a possibilidade de acatar, aprimorar, rever ou até mudar as interpretações, pois o cientista não trabalha com verdades absolutas. Devemos mostrar aos alunos que o conhecimento científico é parcial, provisório, inacabado, porque a ciência é historicamente determinada. Cada época produz a ciência que é possível.

O matemático português Bento de Jesus Caraça (1975) dizia que a ciência pode ser concebida sob dois aspectos bem diferentes. Um deles é como ela vem exposta em alguns livros ou manuais didáticos, como algo pronto e acabado, e o aspecto é o de um todo harmonioso, em que os capítulos se encadeiam em ordem, sem contradições. Outro é acompanhá-la no seu desenvolvimento progressivo, assistir ao modo como ela foi sendo elaborada, aspecto totalmente diferente, pois descobrimos hesitações, dúvidas, contradições, que só um longo trabalho de reflexão e apuramento consegue eliminar, para que, em seguida, surjam outras hesitações, dúvidas, contradições.

Observamos ainda algo importante: no primeiro aspecto, a ciência parece bastar-se a si própria, a formação dos conceitos e dos modelos parece obedecer só a necessidades interiores; no segundo, vemos toda a influência que o ambiente da vida social exerce sobre a criação científica. A ciência concebida assim nos aparece como algo vivo, impregnado de condição humana, com as suas forças e as suas fraquezas, e subordinado às grandes necessidades do ser humano na sua luta pelo entendimento e possibilidade de transformação da realidade. Surge, assim, como um grande capítulo da vida humana e social.

Marcelo Gleiser, em outro livro (GLEISER, Marcelo. A ilha do conhecimento. Rio de Janeiro: Record, 2014), publicado em 2014, traz uma metáfora em relação à atividade científica: uma ilha do conhecimento, rodeada pelo oceano do desconhecido. Segundo o pesquisador, o crescimento da ilha aumenta as suas fronteiras, o que significa dizer que também aumenta a interface com o desconhecido. Assim, novas questões surgem, e o processo de conhecer recomeça. Mas nunca termina.

Diante disso, uma atitude científica que podemos trabalhar com as crianças, quando a explicação para algum acontecimento seria indagar: será que isso é assim mesmo? Por que isso acontece?

Outra característica do conhecimento científico é que a criação de modelos explicativos é influenciada pelos mais diversos vínculos que envolvem o ser humano: sociais, culturais, econômicos, ideológicos, religiosos, entre outros. Mesmo na prática científica acontece de vermos aquilo que queremos ver em função dos nossos interesses. Portanto, não é suficiente observar para ver; não é a existência em si dos fenômenos que nos leva a uma compreensão dos mesmos e, sim, o nosso esforço para dar algum significado a eles.

Uma característica importante da ciência relaciona-se com os próprios modelos explicativos dos fenômenos. Esses modelos precisam de uma consistência lógica e experimental, ou seja, uma articulação entre razão e experiência. Então, a partir de premissas ou de hipóteses e através do raciocínio lógico, elaboramos explicações justificadas que se conformam com a realidade. E mais, o conhecimento científico é geral, no sentido de que é conhecimento de conjuntos ou classes de fatos, fenômenos ou situações e não apenas de determinados eventos isolados. Quando não há consistência, conformidade com a realidade e generalização, entre outros aspectos do conhecimento científico, então são necessários aprimoramentos ou até a elaboração de novos modelos.

Para a Alfabetização Científica, é fundamental destacar que, quando pensamos cientificamente, os resultados precisam ser logicamente fundamentados. Nesse momento, é comum rompermos com o senso comum, as tradições, o místico, o mítico. É claro que o senso comum, assim como as tradições, podem também conter verdades, mas elas precisam ser validadas para adquirir o caráter científico.

O pesquisador brasileiro na área de Ensino de Ciências, Attico Inácio Chassot (2011), mostra a riqueza dos saberes populares com o exemplo da benzedeira que, além de fazer as rezas para afastar o “mau-olhado”, indica também chás que curam o “cobreiro”, identificado pelos médicos como herpes zoster. Por sinal, a riqueza da medicina popular fornece muitos subsídios para a pesquisa científica sobre Farmacobotânica. Plantas como a erva-doce (Pimpinella anisum), a erva-cidreira (Melissa officinalis), o capim-santo (Cybopoghon citratus) e a camomila (Matricaria chamomilla) são usadas como calmantes há tempos por diferentes comunidades, e têm discreta ação sedativa comprovada por estudos científicos. É na cultura popular que muitos cientistas vão buscar elementos para pesquisas, validando-os ou refutando-os.

Pelo contato com a realidade social e cultural dos alunos, o professor pode acessar os saberes populares da comunidade e utilizá-los nos processos de ensino e aprendizagem. As crianças podem ser estimuladas a desenvolver uma pesquisa com os avós e vizinhos mais velhos, investigando quais as plantas utilizadas, de que forma são empregadas e para quais finalidades. Depois, com auxílio do professor, podem confrontar com literaturas especializadas, discutindo pontos em comum e discordâncias. É possível, a partir de uma atividade como esta, valorizar a importância dos diferentes saberes.

Nesse momento, a ciência pode contribuir trazendo elementos sobre a toxidade de algumas substâncias, a dosagem correta para o tratamento de determinadas doenças, entre outros aspectos.

A construção de um canteiro de plantas medicinais, prática comum em muitas escolas, pode servir para discussão sobre os cuidados a respeito do uso indevido de qualquer medicamento sem um diagnóstico adequado do problema, das variações de princípios ativos em plantas que crescem em diferentes condições (maior ou menor incidência de luz, condições do solo, por exemplo) ou pela idade da planta.

Essa pesquisa, desenvolvida por meio de um projeto didático, poderia gerar, como produto, um caderno de anotações sobre medicina caseira, enfatizando, por exemplo, para que servem as plantas, como devem ser preparadas e até mesmo efeitos colaterais que podem existir, a partir de um diálogo com o conhecimento científico e articulando os vocabulários científico e popular.

Concordando com as ideias de Chassot, as técnicas para produção e, principalmente, conservação de alimentos em ambiente doméstico podem ser outro tema para pesquisa. Investigar como se fazia e ainda se faz em casa as compotas, o tratamento de derivados da carne (como linguiças e charque), a farinha a partir da “mandioca brava” (eliminando substâncias tóxicas), os pães e o uso de fermentos, os queijos, entre tantos outros exemplos, pode propiciar interessante discussão sobre a história da Ciência, bem como proporcionar a valorização dos saberes populares e a necessária convergência com os conhecimentos científicos. Trazer a cozinha para a sala de aula pode ser um procedimento bastante rico para as crianças fazerem ciência. Chassot considera as cozinhas como ancestrais dos modernos laboratórios de pesquisa. É interessante observar que relatos de professores mostram o trabalho de Alfabetização Matemática e Língua Portuguesa a partir da elaboração de receitas por crianças e professores, quase sempre esquecendo (ou não mencionando) aspectos como os pontuados acima e que dariam ampla abertura ao trabalho com a alfabetização científica.

Enfim, atividades dessa natureza possibilitam o trabalho com diferentes estratégias de ensino e aprendizagem, bem como uma diversidade de temas.

O aspecto metodológico também é uma característica essencial da atividade científica, pois necessitamos orientar nossa mente. Se alguns conhecimentos e tecnologias foram desenvolvidos a partir de fatos inesperados, isso não é regra. Apesar de imprevisíveis, surgiram em contextos em que o “fazer Ciência” estava acontecendo.

No planejamento e execução da metodologia científica, coisas não previstas podem ocorrer, mas a organização do trabalho deve estar presente em toda e qualquer situação a ser estudada ou pesquisada, pois é um aspecto fundamental da Ciência.

É possível relacionar a atividade do cientista em um processo de investigação com o aprendizado dos alunos no Ciclo de Alfabetização?

É claro que os conhecimentos que o cientista possui, o grau de especialização que procura atingir, o interesse e o tempo que dedica à sua atividade são diferentes daquilo que é feito por professores e alunos. No entanto, a atividade de questionamento, a elaboração de hipóteses e a forma organizada de validá-las podem ser equivalentes quanto à sua natureza, tanto para o cientista quanto para o aluno. Uma criança saberá distinguir rapidamente qual o formato de um aviãozinho de papel que favorecerá que ele vá mais longe ou fique mais tempo planando; a necessária intervenção do professor ocorre para organizar e tornar sistemático esse conhecimento.

Além disso, a linguagem científica (vocabulário específico, simbolismos) é um aspecto que demanda atenção, pois tanto pode contribuir quanto trazer dificuldades para a Alfabetização Científica. Por um lado, essa linguagem está ancorada na língua materna e, assim, palavras do dia a dia são utilizadas no âmbito científico e precisam ser esclarecidas nesse domínio. Por outro lado, a linguagem científica traz novas palavras, assim como símbolos, que também precisam ser incorporados e significados.

Para a apropriação compreensiva da linguagem científica, os professores podem usar linguagens do contexto dos alunos e articulá-las progressivamente ao vocabulário específico de uma determinada Ciência, através dos mais diversos recursos didáticos, valorizando todas as formas de representação utilizadas pelas crianças: desenhos, esquemas, analogias, materiais manipulativos, entre outros. O que deve ser evitado nesse contexto é o ensino iniciando-se por definições, o que levaria o aluno a enunciar um conceito sem ter a compreensão científica do mesmo.

Em resumo, a linguagem científica precisa ser trabalhada adequadamente com as crianças para que não se torne um obstáculo à compreensão de conceitos, princípios e procedimentos científicos.

Um aspecto que pode nos afastar da Ciência e, consequentemente, de sua apropriação, enquanto condição necessária para a Alfabetização Científica, são os estereótipos em relação ao cientista: esquisito, desligado do mundo, descabelado, sempre com jaleco. Nada mais equivocado. O cientista é um profissional. E mais: a Ciência é uma produção coletiva. Alguns cientistas conseguem sintetizar ou relacionar ideias e aspectos de áreas diversas e se tornam célebres, mas esses avanços são produtos de muitas mentes.

Nessa perspectiva, de um produto coletivo, a Ciência deveria ter um caráter público. Quando alguém da comunidade científica constrói algum conhecimento, isto precisa ser sancionado por essa comunidade. Então, os cientistas, quando desenvolvem um modelo explicativo para um fenômeno, por exemplo, esperam que seja validado por seus pares. Assim, a Ciência é um bem cultural de toda a humanidade e todos têm direito de acesso ao conhecimento científico e, por isso, os Direitos de Aprendizagem são importantes.

Assim, quando propusermos alguma atividade aos nossos alunos a partir de uma situação-problema, é muito importante que aconteça, em algum momento, uma plenária para que a resolução passe por consensos, o que pode legitimar determinada resposta ou encaminhamento da solução. É importante ressaltar que esses consensos devem ser alcançados por meio de discussões competentes e responsáveis. Atividades como essa podem originar, também, outras questões de investigação.

Podemos apontar que as características da atividade científica até agora expostas estão mais relacionadas às questões internas do “fazer Ciência”. No entanto, temos também, nessa atividade, as características externas com fortes repercussões na sociedade e no ambiente. E mais, na história da Ciência pode-se ver com clareza a relação intensa entre o conhecimento científico e tecnológico e o poder político e econômico. O domínio de algumas nações ou a influência de certas corporações industriais se faz por meio da apropriação científica e tecnológica.

Com certeza, Ciência e tecnologia são condições necessárias para o desenvolvimento, assim como para a participação de um país no mundo atual.

Assim, quando desenvolvemos o processo de Alfabetização Científica com os alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental, estamos formando pessoas que podem utilizar a Ciência e a tecnologia em benefício próprio, da sociedade e do ambiente. Ainda na tecnologia, indivíduos cientificamente educados podem deixar a condição de apenas usuários dos aparatos tecnológicos e compreender os processos envolvidos. Isso pode ser extremamente importante em termos de aperfeiçoamento ou inovação tecnológica.

Ao mostrar a Ciência como um empreendimento humano, podemos desenvolver nas crianças um encantamento por ela. Entretanto, o encantamento não elimina do “fazer Ciência” o esforço intelectual necessário para realizá-lo.

Como professores, precisamos encorajar nossos alunos a realizar seus sonhos, mesmo que para suas concretizações sejam necessários grandes esforços. Não podemos jamais impedi-los de sonhar.

A cientista brasileira na área de Bioquímica, Glaci Teresinha Zancan, em um artigo (ZANCAN, Glaci Teresinha. Educação científica: uma prioridade nacional. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, v. 14, n. 1, p. 3-7, 2000) escrito no ano 2000, apontava a necessidade de explorar a curiosidade das crianças e manter a sua motivação para aprender através da vida. A educação deve estimular o aluno a trabalhar de forma colaborativa, a ser capaz de resolver problemas, a confiar em suas potencialidades, a ter integridade pessoal, iniciativa, autonomia e capacidade de inovar. Ela deve, também, estimular a criatividade e dar a todos a perspectiva de realização pessoal e profissional.

Pessoas cientificamente educadas também podem agregar valores nas suas mais diversas atividades diárias, por exemplo, no cuidado com a alimentação e a saúde, no âmbito pessoal, bem como na interação mais sustentável com o ambiente ou na participação mais eficiente no mundo do trabalho, em âmbito mais geral.

Além disso, precisamos tanto da Ciência quanto do seu modo de pensar para, enquanto cidadãos com domínio de conhecimentos e de processos do “fazer Ciência”, enfrentar os desafios atuais, pois em alguns contextos é possível também identificar problemas advindos do desenvolvimento científico e tecnológico.

Um tema para essa discussão poderia ser a ocupação urbana e o avanço da agricultura e pecuária de forma desordenada sobre áreas naturais, que podem trazer consequências imprevisíveis e danosas para a fauna e flora locais, bem como para o bioma como um todo.

A partir de uma Alfabetização Científica, também podemos discutir e decidir sobre questões éticas com mais conhecimentos sobre seus desdobramentos na vida e no ambiente.

É claro que a Ciência não pode dar uma resposta às questões que envolvem valores, mas pode apresentar elementos de interpretação especializada que podem testar a coerência de uma determinada visão de um dilema.

Essas características externas da atividade científica poderiam ser exploradas a partir do espaço, da organização e do desenvolvimento de uma Feira de Ciências. Através de projetos didáticos, trabalhando em grupos, os alunos poderiam escolher temas, questões, desafios, entre outras problemáticas, que os levariam a realizar um processo de investigação durante determinado tempo.

Assim, as Feiras poderiam ser espaços de exposição e comunicação científica de conhecimentos produzidos pelos alunos, como também trazer discussões ou debates sobre temas que interessam à comunidade, favorecendo o processo de Alfabetização Científica, tanto dos executores da Feira quanto dos seus visitantes.

Quanto à comunicação científica, essa poderia ocorrer nas suas mais diversas formas, visando a atingir diferentes públicos e contextos.

Cabe ressaltar que as Feiras de Ciências devem ser decididas e desenvolvidas prioritariamente pelos alunos a partir de suas indagações, curiosidades, imaginação. A participação do professor deve ser a de um coordenador, um guia para indicar etapas que os alunos devem seguir. Se os alunos deixam de ser protagonistas, o potencial pedagógico dessa atividade, de “fazer Ciência”, fica prejudicado. A participação da família e da comunidade também precisa ser observada, para que não comprometa o envolvimento dos alunos na atividade.

Retomando alguns aspectos 

Ensinar Ciências pode ser uma tarefa fácil. Basta desenvolver aquilo que já é próprio nos alunos, por exemplo: vontade de conhecer, o uso da tentativa e erro na busca de solução para um problema, capacidade de compreensão de explicações científicas. Isso significa vivenciar aspectos ou características do “fazer Ciência”. A alfabetização científica, desse modo, passa a ser prazerosa, tanto para alunos quanto para professores. Os alunos, especialmente as crianças, são bons pesquisadores, curiosos, imaginativos, criativos e trabalhadores. Assim, o Ensino de Ciências na escola pode ser empolgante, dinâmico, estimulante, e permitir, tanto ao aluno quanto aos professores, explorar, compreender, atuar e transformar a sua realidade.

Então, por que não trabalhar a Alfabetização Científica através do “fazer Ciência”?

Referências

CARAÇA, Bento de Jesus. Conceitos fundamentais da Matemática. Lisboa: Brás Monteiro, 1975.

CHASSOT, Attico Inacio. Alfabetização científica: questões e desafios para a educação. Ijuí: Unijuí, 2011.

GLEISER, Marcelo. Criação imperfeita. Rio de Janeiro: Record, 2010.

GLEISER, Marcelo. A ilha do conhecimento. Rio de Janeiro: Record, 2014.

GRANGER, Gilles-Gaston. A ciência e as Ciências. São Paulo: Editora da UNESP, 1994.

SAGAN, Carl Edward. O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

ZANCAN, Glaci Teresinha. Educação científica: uma prioridade nacional. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 3-7, 2000.

 

Rodapé