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Tópico VI - Brasil Mundo: Outros Sentidos de Espaço-Lugar

As formas espaciais dos fenômenos são os próprios lugares, e não necessariamente aquilo que ocorre sobre os lugares, pois a espacialidade é a própria dinâmica da vida acontecendo no mundo, o qual só ocorre enquanto lugar. Diante dessas considerações, podemos exemplificar isso com as várias histórias que coetaneamente acontecem em Valongo, Portugal.

 

Vejamos o vídeo de promoção de Valongo, feito por Paulo de Carvalho, para, em seguida, analisá-lo.

 

 

O vídeo começa apresentando as duas riquezas que demarcam o sentido daquele lugar, a ardósia e o pão (0:04 e 0:06). Depois, apresenta uma série de prédios históricos, principalmente igrejas e templos católicos. De 0:43 a 0:47, temos a imagem referente à presença romana na região para extração de ouro. Entre 0:49 e 0:53, as imagens apresentam a presença dos grupos celtas que ocuparam a região antes dos romanos, e, entre 0:55 e 0:59, a ardósia com um fóssil de animal pré-histórico, provando assim o destino desse lugar em sua origem temporal mais remota. A partir do primeiro minuto, apresenta-se a história mais recente da região, a marcante presença da Igreja católica e as fardas dos soldados na organização do Estado-Nação português. Entre 1:12 e 1:28, são apresentadas roupas e mobiliários do auge da riqueza proporcionada pela extração da ardósia no século XIX. Depois de 1:30, apresenta-se Valongo na atualidade e a importância da ardósia para a economia local. Em seguida, uma série de fachadas de casas e comércios urbanos (1:52 e 2:33).

 

 

 

A partir de 2:34, as imagens mostram o conjunto arquitetônico urbano, em que a herança de casas antigas convive em harmonia com o progresso do trânsito nas ruas e das construções modernas, até fechar o vídeo, após 3:26,  com grandes panorâmicas de Valongo. O vídeo apresenta o lugar como uma extensão física sobre o qual se desenvolveu uma história que linearmente definiu o espírito essencial do local, o qual se constituía do mesmo jeito desde a pré-história.

 

É uma história dos vencedores, dos que definiram a identidade do lugar pelos mandos da Igreja, do Estado e dos que detêm o controle da economia graças à exploração dos minérios, principalmente da ardósia.

Essa história maior e oficial é o que comprova o sentido único de Valongo, sua essência identitária, um “nós” a que os “outros” devem se submeter; contudo, o espaço é múltiplo e permanece em constante diferenciação. Sempre irrompem outras temporalidades em meio a essa visão macro escalar e única.

 

O interessante no vídeo é a trilha sonora, interpretada pelo próprio Paulo de Carvalho, fazendo referência ao primeiro amor da adolescência, a Nini de seus quinze anos. Nesse momento, o autor está provocando uma deriva minoritária, um devir menor na uniformidade temporal maior da história oficial de Valongo.

Ele está colocando sua temporalidade própria de vida coetaneamente acontecendo às outras temporalidades. Nesse aspecto, Valongo não é tão apenas um lugar sobre o qual a história maior ocorre, mas o entrelaçamento tenso das múltiplas histórias, as quais são linhas de fuga rumo à memória das primeiras experiências amorosas que ocorrem com todas as pessoas, mas que ali acontece como lugar, e não sobre Valongo.

 

 

 

Como no caso de Paulo de Carvalho, milhares de outras histórias ali aconteceram e acontecem. Pensemos nos mineiros que trabalhavam na extração da ardósia, nos padeiros que desenvolveram a arte do pão, nas milhares de esposas desses trabalhadores que construíam a rotina íntima dos lares e ajudavam no orçamento, ou, ainda, nos romanos que deixaram marcas que até hoje formam o lugar, nos mouros que lá estiveram na Idade Média  etc.

São muitas e muitas histórias, mas vamos fazer um corte a partir do século XIX, quando a ardósia ascende em importância econômica.

Com a expansão do processo educacional escolar nos EUA e na Inglaterra no século XIX, o comércio da lousa de ardósia ficou acirrado. As ardósias de Valongo tornaram-se uma matéria-prima valiosa no mercado global de lousas.

O interesse inglês levou ao investimento de muito capital para se obter o controle da extração e comercialização da ardósia de Valongo; mas, para isso se efetivar, novas tecnologias de extração, assim como da construção de ferrovias para baratear o custo com transportes, tiveram que se efetivar.

Isso atraiu milhares de trabalhadores para as minas, que viviam com suas famílias em condições precárias, construindo suas casas com as sobras de ardósia.

 


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