O lugar de uma rocha não é apenas onde ela está localizada matematicamente, nem só os processos subjetivos com que a psicologia humana a qualifica afetivamente. Lugar, portanto, não é somente onde a rocha se encontra, como se fosse resultado de uma só história linear, e sim as múltiplas temporalidades que acontecem na forma espacial rocha. Nesse aspecto, a rocha não é uma individualidade, fixa e limitada em si, mas a própria dinâmica da multiplicidade que rompe o sentido de lugar como limite, como extensão sobre a qual as coisas se localizam. Lugar é a forma espacial múltipla e dinâmica dos fenômenos, aberta e em contato com outros lugares e fenômenos.
Assim, lugar não é somente o espaço em que limitamos nossa produção de identidade nem a região de pertencimento a uma área do mundo. Para melhor abordar esse assunto, sugerimos a leitura de outro artigo de Doreen Massey, Um sentido global de lugar.
A autora comenta que o sentido de lugar é tido por muitos como uma extensão territorial sobre a qual se desenvolve uma história linear, que desemboca na construção da atual identidade fixa e fechada.
“A noção reacionária de lugar descrita acima é problemática de muitos modos diferentes. Um deles é a idéia de que os lugares têm identidade singulares e essenciais. Outro é a de que a identidade do lugar – o sentido do lugar – se constrói a partir de uma história introvertida, voltada para dentro [...].” (MASSEY, 2000, p. 182)
Essas concepções tomam lugar como um espaço conservador e reacionário, que justifica a superioridade de “nós” em relação a todos os “outros” que não participam dessa mesma historicidade fechada e acabada.
Diante dos perigos e preconceitos que essa visão reforça, a autora, a partir do próprio exemplo das inúmeras histórias e culturas que vivencia no lugar em que mora, propõe uma concepção alternativa de lugar:
“Nessa interpretação, o que dá a um lugar sua especificidade não é uma história longa e internalizada, mas o fato de que ele se constrói a partir de uma constelação particular de relações sociais que se encontram e se entrelaçam [...].” (MASSEY, 2000, p. 184)
Para uma concepção de lugar assim ser entendida, outra concepção de espaço deve ser agenciada.
Acesse o artigo Filosofia e política da espacialidade, no qual Doreen Massey e Milton Keynes apontam esse sentido de espacialidade enquanto multiplicidade.
“[...] o caráter frequentemente paradoxal das configurações geográficas em que, precisamente, um número de trajetórias distintas se entrelaçam e, algumas vezes, interagem. O espaço, em outras palavras, é inerentemente ‘disruptivo’.” (MASSEY 1997 apud MASSEY; KEYNES, 1999, p. 17)
O espaço não é uma mera superfície sobre a qual as coisas ocorrem, mas o acontecer das coisas em suas múltiplas trajetórias. Ele é rizomático e sempre rompe com o desejo arbóreo de linearidade e a tentativa de uniformidade histórica.
“A simples história linear organiza o espaço em uma seqüência temporal. Uma recusa a temporalizar o espaço, portanto, abre nossas estórias para a multiplicidade, ao mesmo tempo em que reconhece que o futuro não está escrito previamente, [...] mas que nós próprios o fazemos.” (MASSEY; KEYNES, 1999, p. 21-22)
Assim, o espaço é múltiplo, contingencial e em constante diferenciação. Entender essa dinâmica não significa querer fixá-lo em conceitos rígidos e definitivos, mas permitir uma abertura para que o homem melhor se oriente no mundo nas condições em que este acontece.