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Tópico V - Territórios da Mídia: Construindo Informação e Imagens Espaciais

 

O princípio geral do trabalho com as linguagens midiáticas que aqui abordamos é a contextualização. Isto é, faz-se imprescindível saber ler o processo de construção das informações elaboradas pela grande mídia, identificar seus interesses e a matéria de que tratam em seu contexto espacial específico. Isso porque compreender as dinâmicas sociais, políticas e econômicas que se reverberam num determinado território é fundamental para compreender um fenômeno espacial. Para isso, podem ser usadas as mídias menores, presentes na rede de computadores, como forma de buscar outros olhares e outras leituras sobre os fatos.

Essa busca, no entanto, deve ser analisada de forma crítica, para não reproduzir informações falsas ou preconceituosas. O trabalhar com as mídias deve ser realizado sempre a partir da lógica espacial com que elas se localizam no território, de maneira a perceber seus vínculos políticos e interesses econômicos. Quanto mais bem orientados estamos perante as informações divulgadas na grande mídia, menores são as chances de ficarmos como reflexos dos valores e interesses veiculados pelas grandes corporações e maior nossa capacidade de discernimento frente às verdades que nos são apresentadas .

Ao conhecer os referenciais com os quais alunos e alunas estão tendo contato, professores(as) podem melhor trabalhar com eles(as) o exercício de leitura crítica, para que assim não sejam receptores passivos e reprodutores das informações por outros editadas, mas que saibam orientar-se diante elas.

Exemplifiquemos isso com um estilo musical que apresenta uma visão de mundo estranha para a maioria dos professores. Elegemos o funk, pois esse ritmo faz parte do conhecimento de mundo de muitos de nossos(as) alunos(as), e a escola, portanto, não pode se furtar à abordagem dessa questão, não para ensinar um sentido correto, ou para ensinar a ouvir “boa” música, mas para melhor entender os referenciais espaciais que levam muitos jovens a apreciar o funk.

Vamos assistir ao vídeo com um trecho do show do grupo funk feminino "Bonde das Maravilhas" e ao vídeo clipe de uma das músicas do "Queda de perna aberta".

O que acharam do vídeo? Como entendem o papel da mulher ali expresso? Você trabalharia esse vídeo com seus(suas) alunos(as)? Leiam, agora, o texto "Funk: lixo da cultura brasileira", ele é um comentário não exatamente sobre esse vídeo, mas sobre a visão da mulher no funk.

 Após a leitura, podemos destacar alguns pontos que julgamos necessários do texto, o qual inicia descrevendo esse tipo de música e as condições sociais em que é gerada:

“A depravação é tal que as próprias mulheres se iludem com os embalos do funk, dançando e crendo que estão sendo valorizadas, mesmo que como objetos sexuais… Não se respeita a dignidade da mulher, não se dá verdadeiro valor às mulheres, somente as reduzem a meros objetos de satisfação sexual masculina.” (ANDRADE, 2010)

Em muitas letras de funks, a mulher é representada como objeto sexual, mas essa objetificação não nasce nas letras de música, ela as precede: é o contexto espacial que, majoritariamente, estabelece esse imaginário, o qual se reverbera nas letras e nas danças. É preciso deixar claro, todavia, que o machismo criticado nessas letras passa, muitas vezes, despercebido em capas de revistas, em programas  de televisão e nas letras de outros estilos musicais aceitos como “bons”.

Depois da descrição inicial, o autor aponta para o uso ideológico do funk para atender a interesses econômicos e políticos:

“No entanto, um decreto do Governo do Rio de Janeiro em 2009 promoveu o funk a patrimônio artístico cultural carioca… E porque? Porque com o funk fica mais fácil controlar a população. Controle através do caos. E a mídia, como sempre, dando seu apoio…” (ANDRADE, 2010)

Com essa afirmação, Andrade (2010) deixa transparecer uma visão de como os estabelecidos entendem as classes marginalizadas das áreas periféricas. “Eles são os “outros” que existem para atender a “nós”, os privilegiados consumidores, mas, por serem carentes, podem nos enganar, não são confiáveis e representam perigo para a normalidade; ou seja, entendidos como inferiores, são aceitos quando subservientes, mas devem ser controlados por meio da repressão física ou de festas que os distraiam, acalmando os ânimos.

 

Aí, não se toma a diferença como a afirmação da multiplicidade dinâmica da vida, e sim como uma uniformidade evolutiva hierárquica, que linearmente justifica a superioridade de uns sobre outros. O texto, ao assim interpretar a oficialização do funk, reforça o desconhecimento de quem não faz parte desse contexto em relação a tudo que se refere ao “outro” em nossa sociedade. E toda forma de esse “outro” expressar seu direito à visibilidade e à participação social será desqualificada ou violentamente reprimida.


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