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Tópico IV - Natureza e Ambiente: Perspectiva Geográfica

É por esse motivo que falar de natureza deve ser um exercício de experimentar outras formas de pensar e de expressar, provocando derivas no pensamento científico maior, pois muito daquilo que é devir natureza não cabe na classificação, mensuração e descrição racionais que o pensamento científico delimita como tal.

Vamos trazer o exemplo da dança do povo Guarani para exemplificar, aqui, a importância da expressão artística como forma de apresentar outras formas de pensar o devir natureza no homem. No artigo de Menezes (2010), encontramos um depoimento de Seu José Verá, liderança indígena, sobre a importância da dança para a cultura Guarani:

''Dança para ver o Nhanderú. Deus mandou para o Guarani dançar. Tem que dançar sempre, não é só uma vez. Não é só para brincar, só para ver ou para mostrar para o branco. É com respeito. Dança para não pegar doença, para não sentir mal. Dança também é bom. [...]. Dança para caminhar bem, para não cansar a criança, para ficar alegre.'' (VERÁ apud MENEZES, 2010, p. 150)

 

Com a arte da dança ocorre o sentido de pertencimento cultural, de integração com a natureza, de superar problemas e afirmar a alegria de viver, como constata a autora:

''A dança é parte do rito que se atualiza nas narrativas do dia a dia, nos eventos de cura, nos acidentes, nas mortes, no ciclo das plantações.'' (MENEZES, 2010, p. 150)

Segundo Menezes (2010), além de expressar reconhecimento cultural, a dança seria também um meio de constituição do sujeito em contato com o outro:

''A conexão entre o pensamento e a sensação, o sonho, a intuição é geradora de uma racionalidade dialógica que faz com que o Guarani busque permanentemente em sua existência a construção de sentidos para as as ações e a vida [...] por isso, que a dança altera o pensamento, pois ela é o diálogo, dançar é estar em diálogo.'' (MENEZES, 2010, p.154).

Para a autora, a dança Guarani é uma forma de pensar o que não é cabível em palavras ou na racionalidade intelectual ocidental, pois instaura um dialogismo entre os elementos da cultura Guarani e sua integração cosmológica com o ambiente, com a natureza.

O exemplo da dança não tem, aqui, o intuito de definir que a forma de pensar M’bya Guarani é melhor que a ocidental e científica, o objetivo é pontuar que existem outras formas de pensar e que uma não é melhor que a outra, mas que todas podem contribuir para ampliar nosso entendimento do mundo.

A questão não é indicar que todos devem pensar como os Guarani ou como os Anangu, mas realçar que outras formas são possíveis e pertinentes, de maneira que não fiquemos restritos a nossa referência de racionalidade, que se pauta em padrões arbóreos, representacionais e lineares.

O pensamento científico maior, arbóreo, tenta fixar a dinâmica do mundo em um sistema hierárquico e modelar. Isso permite ter uma visão mais organizada dos processos complexos que confundem nossa observação.

 

 

Essa limitação da complexidade da vida, em parâmetros uniformes e estáveis de representação, não pode, contudo, ser tomada como a única maneira da verdade. Trouxemos, abaixo, um exemplo com mapas que apresentam os tipos de clima em duas escalas diferentes. Eles se pautam em dados técnicos precisos para conceituar a classificação climática, estabelecendo e fixando as formas espaciais dos diferentes tipos de clima. Vemos que, conforme a escala, alguns elementos são subtraídos para atender a lógica de importância da extensão maior ou menor do tipo climático. Por exemplo, no mapa-múndi, vemos que, na área compreendida pelo Brasil, só identificamos três formas climáticas, enquanto nos dois mapas do Brasil temos maior variedade de formas climáticas.

Apesar de, em certos lugares, percebermos a sobreposição de uma denominação comum de tipo de clima, por exemplo o equatorial na faixa do equador no Brasil, a forma da área abrangida em cada mapa apresenta diferenças. Enquanto no mapa-múndi não se apresenta o semiárido brasileiro, no primeiro mapa do Brasil a sua forma espacial não é a mesma do segundo.

Tal fato se repete também em relação ao clima da faixa sul e sudeste brasileira. Enquanto o primeiro mapa do Brasil classifica o clima dessa faixa como subtropical, o segundo mapa classifica-o como temperado superúmido. Nesse sentido, pode-se alegar que os critérios adotados nessa classificação são distintos em  cada um  dos mapas, mesmo que, no entanto, todos acabem representando as formas climáticas como uma coisa fixa e generalizante.

Em cada um dos mapas, o clima representado não é algo instável e de difícil controle, não existe a dinâmica climática imanente à vida. A questão não é dizer que as representações ali estão erradas, pois se pautam em referenciais precisos de pesquisas e levantamento de dados. A questão é saber, por exemplo, a quem interessa essa fixação de fenômenos que, na verdade, são altamente dinâmicos e complexos. Se o motivo dessa fixação é uma elaboração de identidade territorial do Estado, a tipologia de suas formas na extensão fixa do território se justifica.

Entretanto, para aqueles que vão ter que secar suas roupas no varal, para o agricultor que precisará de pouca precipitação na semeadura e muita chuva na época do crescimento das plantas, ou mesmo para aquele trabalhador que precisa saber se, conforme o período do ano, a localização de sua casa poderá sofrer com inundação, aquelas formas climáticas fixas não contribuem.

Nesse aspecto, o pensamento científico tem que abordar a dinâmica atmosférica numa interação de escalas entre o próximo e o distante, para melhor compreender o comportamento do clima enquanto fenômeno dinâmico e múltiplo em suas formas e territorialização. Torna-se, portanto, necessário agenciarmos os estudos científicos que apontem para interação espacial e, ao mesmo tempo, busquem os sentidos vitais disso para nossa melhor localização no mundo. Devemos também observar que a forma, a paisagem do clima que nos afeta é fruto de vários fenômenos com diferentes escalas e regiões de acontecimento.

Vejam a reportagem sobre a poeira do Saara que provoca chuva na Amazônia.

 



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