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Tópico III - Linguagem cartográfica numa perspectiva geográfica: O que vem a ser isso?

PARTE B

Olá! Retomamos aqui nossas atividades.


 

Seemann, no seu texto Linhas imaginárias na cartografia: a invenção do primeiro meridiano, esclarece que, para o delegado britânico Sandford Flemming:

“[...] seria melhor escolher o meridiano com o maior peso econômico. Segundo os seus cálculos, o meridiano de Greenwich era usado por 65% dos navios, sendo responsáveis por 72% da tonelagem mundial do comércio naval, enquanto seus maiores concorrentes como Paris (10% dos navios, 8% da tonelagem) e Cádiz na Espanha (5% dos navios, 3% da tonelagem)” (SEEMANN, 2013, p. 40).

Por isso o autor conclui que:

“[...] ‘há uma crença naturalizada, permeando os espaços curriculares, de que pensar, por exemplo, o espaço por meio de mapas e modelos, localizar distâncias com o uso das coordenadas cartesianas, seja a própria forma de pensar as relações espaciais’. A Cartografia sempre foi humana e continua sendo uma reflexão consistindo em realidades objetivas e elementos subjetivos ao mesmo tempo (WRIGHT, 1942, p. 527). Por isso, ela precisa de perguntas e questionamentos e não de respostas prontas.” (SEEMANN, 2013, p. 42).

 

Fazer perguntas e questionar as representações cartográficas, como Seemann indica, é mais necessário do que apenas acreditar na objetividade do que nelas está fixado como resposta verdadeira de localização.

 

Encontramos tais questionamentos no artigo O mapa do Brasil não é o Brasil (2013), de Jorge Luiz Barcellos da Silva e Nestor André Kaercher. Apesar do artigo passar a ideia de que existe uma realidade pura e correta, ele aponta como a cartografia maior delineia uma imagem fixa do Brasil que distorce o sentido de realidade enquanto complexidade da dinâmica social. Essa distorção se dá por três elementos centrais na linguagem cartográfica: 

  • a escala: “[...] a escala escolhida indica uma opção sobre o nível de detalhamento e as suas características mais marcantes. Ao mostrar a localização do que considera a infraestrutura do país, faz uma escolha, eliminando as tensões que envolvem as relações sociais que dão dinamismo a esses lugares.” (SILVA; KAERCHER, 2013, p. 76);
  • a projeção: “O mapa do Brasil [...] foi construído por meio da projeção policônica. A transformação das linhas curvas da Terra em linhas planas ocorre sempre a partir de um grau de distorção das áreas e distâncias lineares e a preservação das distâncias angulares. Essa projeção normalmente é utilizada para representar pequenas áreas. [...] No caso do Brasil (que não pode ser considerado uma pequena área) a escolha possivelmente se fundamentou na ênfase que dá à dimensão territorial.” (SILVA; KAERCHER, 2013, p. 76);
  • a simbolização: “As vias de circulação ligam diversas partes do território entre si, mas não indicam as possibilidades de quem pode utilizá-las. Muitas rodovias do país são passíveis de serem utilizadas a partir do pagamento de pedágios que, por sua vez, selecionam a fluidez.” (SILVA; KAERCHER, 2013, p. 77).

O mapa seleciona a informação e a uniformiza numa imagem que se coloca como representação da verdade em si. Questionar essa neutralidade padronizante de leitura é, portanto, o que os autores propõem.

 

Tal observação reforça a ideia de que não se deve abandonar a “velha cartografia”, pelo contrário, ela tem um peso fundamental na elaboração de nosso imaginário espacial.

Estabelecer outras leituras para o que ela representa dos fenômenos é buscar o que está de fora da representação, visando entender o contexto e a dinâmica espacial que nela não estão expressos. É isso que percebemos no texto Mapas cognitivos do mundo: representações mentais distorcidas?, (2013) de José Q. Pinheiro. No artigo, o autor aponta que mapas mentais são produtos de experiências com o meio mais próximo dos indivíduos, mas são similares às representações cartográficas.

 

Representações mentais do mundo são similares aos mapas cartográficos correspondentes,  mas há  uma  distinção  muito importante. As  projeções  cartográficas  são  expressas  através  de fórmulas matemáticas, ao passo que não existe linguagem equivalente para traduzir os “mapas mentais” (PINHEIRO, 2013, p. 54).

Essa distinção permite um maior dinamismo nas representações mentais, mas também apresenta maior dificuldade de comunicar as informações ali presentes para os outros que não participam da mesma experiência ambiental. Outro aspecto é que, quanto maior a área a ser representada, maior é o nível de abstração de informações, o que aumenta a participação dos referenciais cartesianos no mapa mental (cognitivo) que elaboramos do lugar.

Ao exemplificarmos com a representação cognitiva, a seguir, retirada do texto de Pinheiro (2013), vemos que o desenho dos países no mundo imita a cartografia de base cartesiana, mas mentalmente é hierarquizado o peso de alguns países e regiões; outros, porém, são genericamente ignorados. Isso significa que não imaginamos o mundo sem o referencial da cartografia maior. O peso ideológico dessa representação nos afeta tanto positivamente, uma vez que nos permite ter uma ideia de mundo, quanto negativamente, devido a essa uniformidade de pensamento.

Mapa esquemático do mundo desenhado por um oficial-aviador da Força Aérea Brasileira em dezembro de 2002

 

 

Fonte: Oliveira, 2003 apud Pinheiro, 2013, p. 51.

 

Quanto menor os referenciais geográficos de nossa vivência espacial cotidiana, maior o peso dos referencias cartográficos de base cartesiana de representação. A questão que se coloca, portanto, é não abandonarmos a representação cartesiana, mas exercitarmos outros referenciais geográficos para dar conta da dinâmica espacial no contexto da rigidez da cartografia representacional. Aí caminhamos para a segunda linha de atuação do professor de geografia frente à linguagem cartográfica que se pauta na lógica cartesiana da representação espacial.


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