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Tópico II - Derivas Minoritárias da Geografia Maior

Tal interpretação do texto das Orientações Curriculares para a disciplina de Geografia no Ensino Médio é possível e permite que o trabalho do(a) professor(a) vá além da constatação do óbvio, de ficar restrito ao fenômeno local em si.

Os PCN constituem-se como um texto oficial, da Geografia e da educação maior. Nesse sentido, a questão política, para o(a) professor(a), é saber derivar dele os sentidos necessários para exercitar a linguagem geográfica. Isso é totalmente possível, como estamos aqui exemplificando. Contudo, a concepção de geografia daí produzida não se caracteriza como menor, pois ainda visa encontrar uma resposta verdadeira e única para a causa do problema, do fenômeno.

Ao final do trabalho, o(a) aluno(a) deve concluir que a poluição local se encontra na lógica da sociedade capitalista, ou de globalização neoliberalizante. Pronto.

A resposta está, então, errada? Lógico que não! Deve-se é evitar uma resposta tão generalizante!

 

Ora, se todos nós vivemos no contexto espacial da lógica de uma sociedade capitalista, mercadológica e competitiva, não há como evitar uma resposta dessa. A crítica a essa lógica de produção social tem que ser feita e aprofundada na escola. Contudo, o que estamos querendo apontar aqui é que o sentido de devir-menor, como os textos de Gallo (2013) e de Oliveira Júnior (2009) apontam, não é esse, pois o que se busca no devir minoritário não é necessariamente uma resposta mais verdadeira que a apresentada pela perspectiva maior.

 

 

A língua maior, a ciência maior, a geografia maior, assim como a educação maior, estão pautadas na busca por respostas verdadeiras que devem ser incorporadas por todos e assim reproduzidas. Essas respostas não são mentirosas ou inconsequentes; pelo contrário, orientam-se em processos lógicos coerentes e se fundamentam em dados precisos, tentando assim uniformizar o sentido histórico de evolução da espacialidade urbana. O problema é que se colocam como únicas, por serem entendidas por especialistas como verdades inquestionáveis, e, ao serem fundamentadas dessa maneira, permitem a generalização de seus postulados. Por outro lado, o sentido visceral do devir-menor não é buscar uma resposta a ser estabelecida como verdade, e sim criar questões que desafiem o pensamento para a construção de outros sentidos possíveis.

O devir-menor é flexível, suas principais características são o movimento, a transformação e a diferenciação constantes de tudo. Ele não pretende fixar verdades e referenciais, sua força é exatamente a sua abertura para a mudança. Por isso ele é o acontecer da tensão, é a manifestação do diferente, do estranho frente à ordem estabelecida ou desejada. Sendo assim, não há como planejar uma atividade em seu sentido de minoridade, mas é necessário saber que toda e qualquer atividade tem em potência devires-menores.

A questão para o(a) professor(a) é estar consciente de que a virtualidade para atualizar-se e realizar-se é inerente a toda e qualquer ação, seja de ensino, seja de relações humanas, seja na vida em geral.


Para o(a) profissional de ensino, a questão que se coloca frente ao devir-menor é a capacidade de não o negar nem reprimi-lo, e sim potencializá-lo para a força criativa de novos pensamentos, novas sensações e novas ações que dele podem derivar. Ao invés de agir como a norma padrão delimita, ou seja, reprimir e punir o que dela se diferencia, como os agentes educacionais procederam no exemplo fictício narrado anteriormente, deve-se tentar criar outras leituras e outros caminhos possíveis, a partir do acontecimento do diferente, daquilo que provoca rasuras na ordem.

Isso é fácil?

Não! Há uma norma ou um programa a seguir? Não! O que se tem é uma postura política de como se localizar no mundo frente à vida, ao trabalho e às relações humanas.

 

Para não nos perdermos no caos e nem nos iludirmos com o controle total da vida, temos de buscar identificar as forças afirmativas que surgem com o inesperado.

 

 

Mas voltemos ao trabalho desenvolvido pelos(as) alunos(as) da escola de Campinas. Aquele não foi um trabalho de geografia menor, nem há como planejá-lo para assim acontecer, todavia, em suas entrelinhas, muitos elementos apontam para outros olhares sobre o sentido de lugar enquanto cidade.

O trabalho em questão tem como objetivo reforçar a importância do pensamento e da prática científica como forma de capacitar alunos(as) e professores(as) a resolver problemas, uma vez que se pode observar a não recorrência de exercícios que estimulem o pensar criativo e a alta frequência daqueles que visam à reprodução de conceitos científicos já definidos como corretos, para que os(as) alunos(as) possam apenas aplicá-los.

 

Pensemos sobre o recorte temático escolhido: o crescimento urbano transforma tudo que o afeta em um fenômeno territorial que precisa ser adequado ao seu processo de urbanização. Se um rio está localizado no lugar em que uma cidade passará existir, esse rio precisa ser adequado a essa lógica de crescimento. Um rio nessa situação sempre será um problema físico no território, a solução será canalizá-lo, transformá-lo em esgoto e adequá-lo a uma nova região de uso urbano daquele fenômeno.

Outro aspecto é fundamental para entender o encontro desses corpos (o trajeto do rio e o crescimento urbano), que a lógica desse encontro acontece no contexto da sociedade capitalista, portanto, de especulação imobiliária, de concentração da renda urbana nas mãos de poucos proprietários, do controle da máquina administrativa para beneficiar os interesses econômicos de elites locais etc., a leitura do rio como problema não pode se dar apenas pela perspectiva ambiental e concentrar-se na poluição atual, é preciso considerar o tipo de solução dada no passado: eliminar o problema através da canalização. Mas ele voltou com outra forma e região de ação, o mesmo rio volta diferente e, ao se reterritorializar, redefine a paisagem, instaura outro lugar no mesmo local. É a dinâmica da leitura geográfica que aí acontece.

 

Mas ele voltou com outra forma e região de ação, o mesmo rio volta diferente.

 

 

À vista disso, temos de, antes de buscar uma solução, como apontado no projeto analisado, elaborar outros questionamentos para ampliar o sentido espacial do fenômeno poluição ambiental.

Respostas que identificam a culpa da poluição na máquina capitalista, nas grandes indústrias, no Estado que não coloca questões ambientais como prioridade, na população que não tem consciência do impacto que seu modo de vida produz no lugar que ocupa, ou nisso tudo junto, delimitam uma solução: se a indústria parar de poluir, a população se conscientizar e o Estado assumir seu papel no contexto de uma sociedade não pautada na lógica capitalista, o problema será resolvido.

Mas esse tipo de resposta é mais uma projeção dos desejos de ordenação espacial que os envolvidos idealizam do que uma solução de fato. Mais que idealizar uma solução, mesmo que correta, o que se propõem é observar a produtividade do ato de pensar sobre situação espacial em que o fenômeno acontece atualmente: se o rio era um problema antes, não o era para todos que ali viviam. Para quem, então, era problemático? Essa é uma questão que se desdobra e se redobra em outras como veremos a seguir.


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