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Tópico II - Derivas Minoritárias da Geografia Maior


A partir do vídeo com as falas do professor Silvio Gallo sobre o sentido da educação em Michel Foucault, podemos melhor entender o papel da crítica que esse pensador francês fez ao alemão Immanuel Kant quanto ao seu projeto de modernidade. A sociedade moderna construída nos últimos séculos, pautada na lógica da exploração do trabalho livre, do comércio e do consumo de mercadoria num mercado de competição aberto, articulada territorialmente pelos processos legais hierarquizados e organizados pela força do Estado-Nação, orientou-se em referenciais racionalistas, como: o discurso filosófico racionalizando a verdade; as pesquisas científicas estabelecendo o conhecimento da totalidade; a legalidade ética institucionalizando a forma de se conviver socialmente. Esses mecanismos foram sendo elaborados para que o conjunto social pudesse aceitar e se moldar aos novos padrões de produção territorial do mundo. Para tal, a escola teve, e tem, um papel fundamental: o de permitir a disciplinarização dos corpos e das mentes, às formas corretas de agir, de pensar e de sentir. Por isso, institucionalizou-se uma língua maior (a língua correta e oficial), uma ciência maior (a que se coloca como o único conhecimento capaz de revelar a verdade de todo o universo).

Tudo isso caminha na mesma direção de uma educação maior (aquela que visa padronizar as formas corretas de formar o cidadão) e uma geografia maior (a que uniformiza a leitura do acontecer espacial do mundo).

 

Diante do projeto de consolidação territorial da modernidade, cada Estado-Nação fez uso da escola e das disciplinas científicas trabalhadas em seu interior para efetivar a disciplinarização de corpos e de mentes. Em vista disso, destacam-se as observações de Silvio Gallo para pensar uma educação menor. A princípio, ele esclarece a origem do termo: o conceito "menor" é uma criação coletiva da filosofia de Gilles Deleuze e de Félix Guattari.

Quando os franceses Gilles Deleuze e Felix Guattari estudaram a literatura do judeu tcheco Franz Kafka, criaram o conceito de “literatura menor” como decorrência de “língua menor”, ou seja, perceberam que Kafka escrevia em alemão, mas não a língua oficial da cidade de Praga, e sim o idioma recriado nos guetos e nas gírias do povo. Esclarece Gallo (2013, p. 3):

"Kafka fez gaguejar o alemão canônico ao introduzir nele as palavras e expressões usadas nas ruas do gueto judeu de Praga. Não criou uma nova língua, mas introduziu diferenças e linhas de fuga em uma língua estabelecida, criando, com isso, uma nova forma de escrever."

Ao apontarem que Kafka “fez gaguejar o alemão” oficial, o da norma culta, os pensadores franceses destacam que, pela literatura, pela arte, criou-se outra forma de narrar a vida, a arte estabeleceu “linhas de fuga” frente ao estabelecido e, por meio de uma língua recriada no dia a dia dos que se encontravam na marginalidade social e econômica, instaurou o acontecimento estético-político de se expressar em uma nova forma. Mas observem o complemento dessa citação:

 

"Mas uma nova forma que não tinha qualquer vocação para tornar-se 'dominante', 'maior', estabelecida e canônica;  ao  contrário,  uma  literatura destinada  a permanecer menor em sua criação, sem ser erigida em novo modelo" (GALLO, 2013, p. 3-4).

Aí é que encontramos a originalidade e a força das derivas minoritárias: elas se dão no contexto da língua maior, oficial, mas não objetivam substituí-la como modelo do correto falar, expressar e narrar a vida; são sempre linhas de fuga em direção a novas derivas menores.

Apesar de o trabalho de Guattari e Deleuze não focar a escola, ao tentar expressar o sentido de língua maior, eles exemplificam como ela se dá no contexto educacional escolar.

"A professora não se questiona quando  interroga  um  aluno,  assim  como  não  se questiona quando ensina uma regra de gramática ou de cálculo. Ela 'ensina', dá ordens, comanda." (DELEUZE; GUATTARI, 1995, apud GALLO, 2013, p. 5)

 

A escola, portanto, usa os conteúdos não apenas para reproduzir as informações, mas para exercitar certas habilidades a serem incorporadas, habilidades que visam disciplinar formas eleitas como corretas e únicas de agir, de pensar e de sentir; por isso, na escola, não se cria conhecimento, tão somente se reproduz essas formas eleitas.



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