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Tópico VI - Brasil Mundo: Outros Sentidos de Espaço-Lugar

 

Conhecendo o rap indígena Eju Orendive!

A letra e a música mostram como um ritmo musical de origem norte-americana chega aos mais longínquos pontos do globo e é reterritorializado com outros sentidos. Não se pode ler esse rap apenas como um produto da colonização cultural, mas como os povos marginalizados requalificam os produtos estrangeiros na direção de suas necessidades e capacidades.

Ao assim fazerem, eles reverberam toda a complexidade de elementos que acontecem no lugar, dos mecanismos de dominação que eles reproduzem, ao derivar criativo que fazem das marcas e produtos importados, estabelecendo sentidos que podem potencializar novas ações e pensamentos.

A letra começa falando da importância de Deus para não se perder nas tentações e frustrações da vida: “Sempre peço a Deus que ilumine o meu caminho”. Esse Deus é uma mescla da colonização cristã com os elementos de sua cultura guarani: “Se você chorar, não é uma vergonha. Jesus também chorou... chego e rimo o rap guarani e kaiowa.” O próprio rap já é resultado dessa busca de identidade entre ser indígena na periferia do Brasil e por aí acessar o mundo com seus produtos globalizados.

A fronteira não é algo estanque, ela é o entre-lugar do contato, da troca, das tensões e conflitos. Nesse aspecto, o lugar fronteiriço onde as terras indígenas se localizam é o entre-lugar em que suas condições de marginalizados sociais se expressam na interação entre a herança cultural indígena com os novos valores culturais e econômicos do mundo globalizado.

 

Nesse aspecto, a música questiona a invisibilidade dos indígenas perante a cultura hegemônica: “Você não consegue me olhar / E se me olha, não consegue me ver”. Daí só encontrarem caminho para a sua visibilidade, na tensão com o olhar não indígena, o qual os fixou numa imagem uniforme do que vem a ser indígena: “Aqui é o rap guarani que está chegando para revolucionar. E eu estou aqui mostrando pra você o que a gente representa”. Por isso, mostrar a face é uma revolução, pois significa a união dos diferentes em busca da construção de um novo sentido de território: “Aldeia unida mostra a cara”.

O que o rap guarani está apontando é que não existe uma identidade uniforme a todos os indígenas, como os não indígenas assim os representam, e, se eles não se comportarem segundo essa imagem já pré-definida, ficam invisíveis.

 

Eles querem ser visíveis para eles próprios, daí agenciar os elementos que entendem  como necessários do universo não indígena para reterritorializá-los em outros sentidos espaciais, na direção de um novo lugar. O lugar como acontecimento do fenômeno da construção da identidade indígena, a qual não é mais a que a eles foi delimitada, mas aquela em aberto, de um povo por vir, que se instaura a partir dos perceptos de sua música. Isso é a multiplicidade espacial Brasil acontecendo no processo de construção da vida indígena, que no caso desse grupo de rap se dá em Dourados (MS), mas se articula com todo e qualquer lugar em que a vida acontece. O rap indígena torna mais complexa a crítica feita pelo funk Isso é Brasil, pois nesta só se viam as várias mazelas de um território que marginaliza muitos. Mas no rap vemos que as formas de luta são múltiplas e em acordo com as condições espaciais agenciadas pelos corpos daqueles que almejam visibilidade, almejam outra forma de identidade. Almejam outro sentido de lugar.

O mundo só acontece nos lugares, nos lugares é que o Brasil se expressa em suas múltiplas histórias, estabelecendo a forma espacial desse fenômeno que não tem uma identidade acabada, mas múltipla e em processo. Assim, vamos terminando esse último tópico. Antes de passarmos as últimas atividades, porém, gostaríamos de encerrar com duas frases: a primeira, retirada do texto do Douglas Santos, aqui várias vezes abordado:

[...] ensinar Geografia é, sempre, ensinar uma linguagem [...] é, sempre, um processo de alfabetização (p. 2) .

Esse processo de alfabetizar é o de articular essa linguagem na relação entre o pensamento científico e o artístico com os processos que a vida acontece, entre a linguagem maior e as derivas menores da linguagem, a fim de se entender o mundo como acontecimento do lugar, vida em sua multiplicidade espacial.

 Para isso, façamos uso do texto aqui também já trabalhado de Wenceslao de Oliveira Jr.

 

Se concluirmos que o lugar não é um dado em si, mas produto das tensões e das disputas entre as muitas práticas e narrativas que se dobram sobre ele, concluiremos também que, nos dias que correm, conhecer o espaço é também pensar sobre como ele é inventado diariamente (2009, s/p).

Diante desse desafio, delineamos o sentido dessa linguagem geográfica no nosso processo de orientação e localização espacial, num mundo que não se encontra pronto, mas é diferencialmente e multiplamente inventado, pensado, imaginado e vivenciado.

Para Refletir: Recriando Sentidos sobre o Espaço

Passemos agora aos dois últimos exercícios: 

 

Etapa 1

Primeiro, sugerimos que você selecione com seus alunos uma música que estão acostumados a ouvir e elaborem uma outra letra. Recomendamos que essa letra seja ensaiada por todos e apresentada.  A letra deve abordar como o mundo acontece de forma múltipla no lugar em que se encontram, na sua cidade, bairro e casa. Quais as tensões e diferenças que no lugar acontecem a expressarem as múltiplas temporalidades dos vários fenômenos que você agenciou para estabelecer o sentido em aberto da forma espacial desse lugar. 

Uma atividade como esta pode gerar vários momentos pedagógicos interessantes! Pense por exemplo na possibilidade de gravar essas apresentações e compartilhá-las criando um canal no youtube para a escola, incentivando que sejam ouvidas e comentadas pela comunidade escolar. 

Etapa 2

Segundo, para complementar essa atividade, pode acessar o artigo Estrangeiridades em terras conhecidas, assim como o vídeo a ele vinculado. Procure ler e pensar em uma atividade de caminhar pela cidade ou bairro em que moram. Você pode exercitar a observação, olhando e descrevendo os elementos do mundo (produtos, músicas, propagandas etc.) que ali se apresentam com outros sentidos, usos e perspectivas. Procure fazer registros fotográficos desses estranhamentos observados e destacar como o mundo ali está acontecendo de forma singular; como as pessoas recriam os sentidos dos elementos globalizados no lugar, fazendo dele uma forma espacial.  A multiplicidade de histórias não ocorre sobre esse lugar, mas faz com ele que aconteça se espacializando.

Novamente sugerimos que você pense na possibilidade de compartilhar essas produções com a sua comunidade escolar usando uma rede social. Você pode enriquecer o debate iniciado no trabalho presencial dando-lhe continuidade nos ambientes de interação digital.

Bom trabalho!

 

 

 

Propõe-se, portanto, pensar o mundo a partir do lugar e recriá-lo imageticamente, fazendo do mundo um lugar em constante diferenciação e construção. Bom trabalho a todos.

 


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