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Tópico II - Derivas Minoritárias da Geografia Maior

 

Partindo do referencial anteriormente discutido, ao abordar uma determinada temática geográfica não podemos nos contentar com a reprodução das informações sobre o problema ambiental em si, os dados técnicos de poluição do ribeirão e a busca por uma solução ideal. Deve-se buscar questionar as respostas já prontas e certas, provocar outros olhares para o fenômeno na interação de escalas que pontuam seu processo de constituição e sua dinâmica espacial. Essa postura, essa forma de ler é que torna possível provocar o pensamento como forma de encarar o fenômeno por outras perspectivas.

Para tal, sair da exclusividade do pensamento científico maior é um caminho que pode contribuir. Isso não significa deixar de fazer ciência, mas buscar outras linguagens que possam provocar o pensamento científico e fazê-lo derivar para suas minoridades; eis o aspecto enriquecedor do devir-menor na educação.

É isso que o professor Oliveira Júnior, no texto "Grafar o espaço, educar os olhos. Rumo a geografias menores", está apontando com sua abordagem do uso das imagens artísticas no trabalho com o ensino de geografia.

 

Logo na introdução, Oliveira Júnior destaca um trecho do escrito de Gonçalo Tavarez quanto ao erro dos homens se pautarem na busca pela verdade pela perspectiva da ciência: “se tivesses acreditado mais no desenho do que na escrita estarias mais próximo do que é verdadeiro no Mundo. Foi uma questão de crenças, foi uma aposta em cavalos. Os homens apostaram no cavalo errado. Eis um resumo possível da história das ciências” (TAVARES, 2006 apud OLIVEIRA JÚNIOR, 2009, p. 17).

Oliveira Júnior (2009) aponta que não tem ao certo se o uso da arte é capaz de tornar mais próxima a verdade do mundo, mas entende que ela, pelas imagens, permite derivar os sentidos de verdade já estabelecidos pela geografia científica maior, no contexto da educação maior.

"Todas essas derivas buscam apontar devires possíveis para o pensamento geográfico a partir da potência que a mirada sobre as imagens traz até ele, atravessando-o com novas possibilidades de criação: um punhado de geografias menores, que brotam das colisões, dos embates e das aproximações entre os estudos que apontam a forte presença de uma educação pelas imagens nos dias atuais e os pensamentos acerca do espaço geográfico que surgem dela." (OLIVEIRA JÚNIOR, 2009, p. 27)

 

Aqui, portanto, não apostamos no erro da ciência e no acerto das artes, mas nos posicionamos favoravelmente ao uso das linguagens artísticas e à capacidade delas de provocar devires menores na crença da verdade única estabelecida pela ciência maior. É isso que percebemos nas entrelinhas do texto escrito do trabalho dos(as) alunos(as) da escola de Americana, apesar de eles(as) orientarem-se no sentido maior da linguagem científica da Biologia e da Geografia.


Como as vivências de quem morava na localidade pesquisada foram percebidas por esses(as) alunos(as)? Como eles(as) posicionaram-se frente ao fato urbano atual? Como se localizaram e se orientaram perante o fenômeno ambiental no lugar em que territorializam suas existências?

Questões como essas poderiam ser instigadas pela força de imagens de caráter mais artístico, provocando rasuras no próprio texto escrito por eles(as). Essa possibilidade é que entendemos como necessária em sala de aula, mais que dizer uma verdade a ser reproduzida, possibilitar situações em que os referenciais geográficos empregados pelos(as) estudantes sejam analisados e questionados.  Para isso ser possível, o uso da linguagem imagética, em sua potência artística, pode contribuir muito. Ou, como afirma o professor Oliveira Júnior (2009, p. 27):

“[...] aproximações entre os estudos que apontam a forte presença de uma educação pelas imagens nos dias atuais e os pensamentos acerca do espaço geográfico.”

 

Para tentar deixar mais claro isso, vamos fazer uso de um projeto pedagógico realizado pela professora Alice com alunos do Ensino Fundamental da Escola Municipal Indígena Araporã, localizada na Reserva Indígena de Dourados, no município de Dourados, no Mato Grosso do Sul.


Os detalhes dessa atividade podem ser acessados no artigo escrito pelas professoras Solange Rodrigues da Silva e Flaviana Gasparotti Nunes, intitulado "Trajetórias socioespaciais: reflexões a partir de desenhos elaborados por alunos indígenas em Dourados (MS)". O artigo encontra-se entre as páginas 265 e 282 do livro eletrônico Imagens, Geografias e Educação: intenções, dispersões e articulações, organizado pelos professores Cláudio Benito O. Ferraz e Flaviana G. Nunes, e tem como objetivo levantar algumas considerações sobre os devires minoritários instaurados pelos desenhos dos alunos indígenas em relação ao processo de construção da identidade territorial.

Comecemos com a representação oficial, cientificamente correta, da reserva indígena de Dourados. Vemos aí em verde claro, a área do município de Dourados.

Mapa representacional da localização da Reserva Indígena de Doruados (Fonte: Silva e Nunes, 2013, p. 267)

 

Em marrom escuro, ao centro, temos a localização da área urbana da cidade de Dourados. Ao norte da cidade, temos a Reserva Indígena de Dourados, dividida em duas cores:  em cinza, a parte referente à aldeia Jaguapiru, em verde limão, a parte referente à aldeia Bororó, no canto inferior direito da tela, vemos a localização do município em relação ao Mato Grosso do Sul, e do estado em relação ao Brasil. Esses dados e informações são totalmente corretos e verídicos.

Quando os(as) alunos(as) assim conseguem denominar esses vários lugares e localizá-los no mapa, atende-se ao objetivo de estabelecer a imagem oficial de identidade territorial que devem reproduzir. Acontece que, para o(a) aluno(a), ser indígena e pertencer ao território da reserva é algo mais dinâmico e complexo que a representação oficial permite perceber. Para tal, comparemos o mapa oficial da localização da reserva com o que alguns(mas) estudantes indígenas elaboraram.

Os desenhos produzidos por eles(as) apresentam a forma exata da representação oficial da reserva, mas essa forma oficial está localizada sobre outra perspectiva, não sobre a representação da área do município ou da cidade de Dourados.

Mapa da Reserva Indígena feita pelos alunos da escola (Fonte: Silva e Nunes, 2013, p. 271)

Na representação dos(as) alunos(as), a reserva  apresenta as diferenças internas aos grupos indígenas que ali se encontram, os Guarani Kaiowa, que são diferentes dos Terenas, tal distinção geralmente não é trabalhada nas aulas de Geografia, todos são colocados no mesmo processo de identidade: são indígenas e pronto. Outro aspecto observado é que a reserva encontra-se sobre um instrumento fundamental para seus rituais místicos, o chocalho maracá.

O maracá é o signo do sentido místico e transcendental da territorialidade, no lugar físico desdobra-se toda a espiritualidade dos ancestrais de um povo, estabelecendo a relação de pertencimento e de luta de cada indivíduo por aquele espaço-tempo. 

Pela representação dos(as) alunos(as) indígenas, podemos perceber o sentido dinâmico de território.

A imagem, enquanto linguagem artística – no caso, o desenho –, permitiu derivas minoritárias de outros sentidos para o que estava estabelecido como representação maior da reserva indígena. O desenho dos(as) alunos(as) indígenas rasura o sentido oficial de identidade territorial e instaura outros olhares sobre o fenômeno. Eis a grande potência do devir-menor a partir da linguagem artística no processo criação de novos pensamentos científicos, de novas imaginações geográficas.

 

Hora de Compartilhar

 

Para concluir essa segunda parte do tópico sobre derivas minoritárias da geografia maior, vamos encerrar indicando um vídeo sobre a relação do pensamento desenvolvido por Deleuze e a educação. Nele o professor Silvio Gallo apresenta a contribuição do filósofo francês Gilles Deleuze para se discutir a questão do ensino e da escola atuais.

Sugerimos que assista ao vídeo e reflita a partir dos textos lidos e das atividades até agora trabalhadas. Preste atenção principalmente nos aspectos conceituais de "rizoma" e de "educação menor". Aquilo que não conseguir entender, procure pesquisar mais dados e informações.

Voltaremos, na terceira e última parte deste tópico, resgatando essas ideias e fechando as atividades relacionadas com esse tema. Bom vídeo e boa reflexão!

Pensadores e a Educação: Gilles Deleuze 

 


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