A REDUÇÃO DE DANOS NO CUIDADO AO USUÁRIO DE DROGAS

 

 

O USO DE DROGAS E A ABORDAGEM DE REDUÇÃO DE DANOS


Você sabe quais são as estratégias
de redução de danos?

A Redução de Danos (RD) é um conjunto de princípios e ações para a abordagem dos problemas relacionados ao uso de drogas que é utilizado internacionalmente e apoiado pelas instituições formuladoras das políticas sobre drogas no Brasil, como a Secretaria Nacional de Política sobre Drogas (SENAD) e o Ministério da Saúde.

A RD não pressupõe que deva haver imediata e obrigatória extinção do uso de drogas – no âmbito da sociedade ou no caso de cada sujeito , seu foco incide na formulação de práticas, direcionadas aos usuários de drogas e aos grupos sociais com os quais eles convivem, que têm por objetivo a diminuição dos danos causados pelo uso de drogas.

Embora estejamos acostumados a relacionar a proibição à periculosidade oferecida pelas distintas substâncias, o que define se as drogas são legais ou ilegais não é a ausência ou a presença de riscos. Por exemplo, drogas que em nossa sociedade são permitidas podem ter grande potencial de dano. Álcool, nicotina, opioides (morfina, codeína e a meperidina) e benzodiazepínicos são drogas lícitas (que têm sua produção, distribuição e consumo regulados por leis), mas podem provocar dependência e morte.

 

 

OS PRINCÍPIOS DAS ESTRATÉGIAS DE REDUÇÃO DE DANOS


Na década de 1980, na Holanda, usuários de drogas injetáveis exigiram do governo a disponibilização de serviços que diminuíssem seus riscos de contaminação pelo vírus da hepatite B. Posteriormente, a preocupação com o risco de contaminação pelo vírus da AIDS deu grande impulso à implementação das atividades de redução de danos.

As práticas de redução de danos, surgidas como uma alternativa para as estratégias proibicionistas do tipo “guerra às drogas”, baseiam-se em princípios de pragmatismo, tolerância e compreensão da diversidade. São pragmáticas porque compreendem que é necessário oferecer serviços de saúde a todas as pessoas que têm problemas com álcool e outras drogas, incluindo aquelas que continuam usando após tratamento, visando principalmente à preservação da vida.

Mesmo que se compreenda que, para muitas pessoas, o ideal seria que não usassem mais drogas, sabemos que isso pode ser muito difícil, demorado ou inalcançável. É, portanto, necessário oferecer serviços, inclusive para aquelas pessoas que não querem ou não conseguem interromper o uso dessas substâncias. O oferecimento desses serviços pode evitar que se exponham a situações de maior risco e viabilizar sua aproximação das unidades de saúde e acolhimento, abrindo a possibilidade de que peçam ajuda quando quiserem ou precisarem.

Cabe destacar que a Estratégia de Redução de Danos é tolerante, pois evita o julgamento moral sobre os comportamentos relacionados ao uso de substâncias psicoativas e às práticas sexuais, por exemplo, evitando intervenções autoritárias e preconceituosas. Além disso, contempla a diversidade, visto que compreende que cada sujeito estabelece uma relação particular com as substâncias e que a utilização de abordagens padronizadas como pacotes prontos e impostos para todos é ineficaz e excludente, especialmente porque muitos serviços que trabalham com a lógica da exigência da abstinência excluem usuários que não querem ou não conseguem se manter abstinentes.

As Estratégias de Redução de Danos não pressupõem que deva haver imediata e obrigatória extinção do uso de drogas, mas formulam práticas, direcionadas àqueles que usam drogas e aos grupos sociais com os quais convivem, que visam diminuir os danos causados por elas. A Redução de Danos acolhe a diversidade de usuários e não se sustenta na exigência obrigatória da extinção do uso. Seu objetivo é, principalmente, a diminuição dos danos físicos, psicossociais e jurídicos relacionados ao uso de drogas.

 
 

Para Pensar...

Você conhece alguma prática de redução de danos?

Quais intervenções de redução de danos você considera que poderiam ser implementadas com João?

REDUÇÃO DE DANOS COMO ESTRATÉGIA DE PREVENÇÃO



Com a prática das Estratégias de Redução de Danos, na década de 1980, visando à diminuição do risco de contaminação pelo vírus da hepatite B, iniciou-se a substituição de seringas usadas por seringas estéreis e descartáveis e a distribuição de preservativos. Atualmente, além dessas ações, há um avanço na oferta de informações sobre serviços de saúde para a realização de exames e de tratamento para problemas clínicos e para a dependência de drogas. Assim, a atividade de troca de seringas não é um fim em si mesmo, mas um serviço, oferecido junto a muitos outros, que tem como objetivo geral a preservação da saúde. Com o surgimento da AIDS, essas ações foram incrementadas em inúmeras cidades e países, difundindo as Estratégias de Redução de Danos como práticas de prevenção. Posteriormente, outras práticas de risco se tornaram foco de ações de Redução de Danos, incluindo os problemas com drogas não injetáveis, como é o caso do crack nos dias de hoje.

 

 


Figura 2: A ilustração acima mostra o kit Redução de Danos lançado pelo Ministério da Saúde. Fonte: NUTE-UFSC (2016).

 

Alguns autores usam as expressões Redução de Danos e Redução de Riscos com o mesmo significado. Outros distinguem o termo "risco" como a possibilidade de que determinado evento ocorra e "dano" como o evento em si.

 

Segundo o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde (2015), o número de casos notificados de AIDS, entre maiores de 13 anos, que teve como categoria de exposição o uso de drogas injetáveis (UDI), entre 1980 e 2001, foi 42.570, correspondendo a 28% total dos indivíduos masculinos. No caso das mulheres, entre o período de 1980 e 2001, foram registrados 8.525 casos UDI (11,9% do total). Comparado ao ano de 2015, o número de UDI caiu significativamente, sendo 119 homens (3,6% do total) e  29 mulheres (1,8% do total). Também observou-se que as Estratégias de Redução de Danos são eficientes em diminuir danos e riscos de contágio dos vírus da hepatite B e C, diminuir a frequência do uso injetável e o compartilhamento de seringas, e aumentar o uso de preservativos.

Com a ampliação e disseminação dos princípios e das práticas de Redução de Danos, essa abordagem se expandiu de ações dirigidas à prevenção para atividades assistenciais. Nesse caso, passou-se a falar em tratamento que se baseia em Redução de Danos como aquele em que a abstinência pode ser uma meta em muitos casos, mas não é uma exigência ou condição para se oferecer tratamento.

 

REDUÇÃO DE DANOS COMO ESTRATÉGIA DE CUIDADO



Nas estratégias de cuidado pautadas na Redução de Danos, a definição do objetivo, das metas intermediárias e dos procedimentos não é imposta, mas discutida com o usuário. A interrupção do uso de álcool e de outras drogas quase sempre é um dos objetivos, mas outros avanços são valorizados, como evitar colocar-se em risco, melhorar o relacionamento familiar e recuperar a atividade profissional. Muitas outras dimensões da vida (relacionamento familiar e no trabalho/escola, condições clínicas e psíquicas, relações com a lei etc.) são usadas também para a avaliação do resultado do tratamento. A participação do usuário nas escolhas das metas e etapas do tratamento valoriza e aumenta a sua motivação e seu engajamento.

 

Lembre-se: o sucesso do tratamento não é avaliado apenas pelo critério de parar ou não de usar drogas.

 

O tratamento ao usuário que tem a Redução de Danos como uma das estratégias de cuidado não tem como foco principal a substância, mas o sujeito integral e sua rede de relações. Nessa perspectiva, na situação problematizadora que inicia este módulo, podemos observar que o vínculo terapêutico estabelecido entre João e o redutor de danos foi fundamental para a construção de novos projetos de vida, a ponto de motivá-lo a atuar, posteriormente, como redutor de danos.

A evolução flutuante – com avanços e recursos, paradas e recaídas – também ocorre nos tratamentos que exigem abstinência. Uma das diferenças é que, com a Estratégia de Redução de Danos, não ocorre a exclusão daqueles que não querem ou não conseguem interromper o uso da substância.

A troca de uma droga por outra que diminua riscos e danos também é um exemplo de uma prática de Redução de Danos. É o caso do uso de benzodiazepínicos (BZD), como o clordiazepóxido ou o diazepan, no tratamento da abstinência alcoólica, uma rotina nos serviços médicos no Brasil e no exterior. Muitas pessoas com problemas com o álcool podem interromper esse uso sem precisar utilizar uma medicação; mas, em muitos casos, principalmente nos mais graves, a substituição pelo BZD pode ser necessária. Com a terapia de substituição, a interrupção do uso de drogas pode ser um objetivo a ser alcançado mais adiante. 

No quadro a seguir, você pode compreender melhor essa diferenciação entre ações de prevenção e tratamento na Redução de Danos.

 

Figura Mockup
Figura 2: O quadro acima esclarece como acontece as ações de prevenção e de tratamento permeadas pela política da Redução de Danos. Fonte: NUTE-UFSC (2016).
 

DESAFIOS


Ainda existem grandes desafios para que se encontrem soluções mais satisfatórias para os problemas com as drogas.  Entre eles, está a situação em que o sujeito, por conta do seu envolvimento com drogas, está colocando sua vida em risco ou oferecendo risco para os demais, mas, apesar disso, não percebe ou não aceita a necessidade do tratamento. Nessa situação, é importante diferenciar o que é um risco imediato, concreto e grave, e o que é um risco suposto, em longo prazo, ou menos provável. Por exemplo, pessoas que fumam cigarro de tabaco estão se expondo a um risco de vida em longo prazo. Não se cogita, no entanto, tratamento compulsório para fumantes.

Por outro lado, um jovem que usa uma droga e se coloca continuamente em risco, sem perceber a necessidade de tratamento, pode precisar receber alguma forma de controle externo para preservação da sua vida ou das pessoas com quem convive. De uma forma geral, seus entes mais próximos (familiares, amigos, colegas ou chefia de trabalho) podem ajudá-lo a restabelecer seu controle da vontade e, para isso, precisam exercer alguma pressão, constituindo um controle externo provisório. Em casos mais graves, ou quando os familiares não conseguem funcionar como essa instância de controle externo, a intervenção dos profissionais da saúde pode ser necessária.

Atualmente, profissionais e entidades da Justiça se capacitam, compreendendo a questão das drogas de forma mais ampliada, por sua vertente social e de saúde, para desenvolverem parcerias com outros profissionais e serviços. Temos, contudo, que considerar a complexidade das questões e a particularidade da situação diversa de cada um dos envolvidos. O que pode funcionar muito bem para um usuário pode ter resultados desastrosos para outro.