SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS E SEUS EFEITOS

 

OS EFEITOS DE UMA DROGA SÃO OS MESMOS PARA QUALQUER PESSOA?


 

 

Não, os efeitos de uma droga dependem basicamente de três fatores: contexto, drogas, sujeito.

Cada tipo de droga, com suas características químicas, tende a produzir efeitos diferentes no organismo. A forma como uma substância é utilizada, a quantidade consumida e o seu grau de pureza também influenciam no efeito.


Figura 3: Ilustração das três dimensões que interferem no fenômeno do uso de drogas. Ao se desconsiderar alguma delas, o tripé perde sua sustentação. Fonte: NUTE-UFSC (2015).

 

Cada usuário, com suas características biológicas (físicas) e psicológicas, tende a apresentar reações diversas sob a ação de drogas. São extremamente importantes o estado emocional do usuário e suas expectativas com relação à droga no momento do uso. O ambiente também influencia o tipo de reação que a droga pode produzir. Dessa maneira, o local, as pessoas e o contexto no qual o uso acontece podem interferir nos efeitos causados.

 

Por exemplo, uma pessoa ansiosa (sujeito) que consome grande quantidade de maconha (droga) em um lugar público (contexto) poderá ter grande chance de se sentir perseguida (“paranoia”). Por outro lado, um sujeito que consome maconha quando está tranquilamente em sua casa, na companhia de amigos, terá menor probabilidade de apresentar reações desagradáveis.

 

Figura Mockup
Figura 4: O contexto em que a droga é consumida pode alterar seus efeitos no sujeito. Fonte: NUTE-UFSC (2015).

Ao falarmos sobre drogas, diversos questionamentos surgem em nossa mente, e muitos mitos e tabus acabam por conduzir a discussão, principalmente em relação aos efeitos químicos e à dependência. É importante ressaltar que nós temos acesso a muitas informações sobre esse assunto (veiculadas pela mídia ou disponíveis na internet), mas é essencial prestar atenção nas origens dessas informações, buscando ativar nossos conhecimentos e vivências a fim de compreendermos a questão sem nos deixar levar por notícias e opiniões não fundamentadas. Vamos falar mais sobre as questões que envolvem o uso de drogas? Acompanhe nosso bate-volta sobre drogas e suas classificações!

 

BATE-VOLTA: ASPECTOS REFERENTES À CLASSIFICAÇÃO DAS DROGAS



Existem drogas leves e drogas pesadas?
Rigorosamente, não deveríamos falar em drogas leves e pesadas, mas em uso leve e uso pesado de drogas. Podemos explicar isso a partir do álcool. Existem sujeitos que são dependentes do álcool, por isso nunca conseguem beber moderadamente, e existem outros que utilizam o álcool ocasionalmente e que jamais se tornarão dependentes. Para os sujeitos dependentes, o álcool é uma droga extremamente perigosa (droga pesada), enquanto para os outros sujeitos, é um produto relativamente inofensivo (droga leve).

As drogas proibidas são mais perigosas?
Do ponto de vista da lei, não há diferença entre drogas leves e pesadas, apenas entre drogas legais e ilegais (lícitas e ilícitas). Fumar maconha ou injetar cocaína, por exemplo, são atitudes que infringem igualmente a lei. Na prática, porém, o uso de maconha raramente chega a ter as mesmas consequências à saúde como se observa com o uso de cocaína. Além disso, sabemos que os riscos relacionados ao consumo de drogas dependem mais da maneira e das circunstâncias em que elas são utilizadas do que do tipo de droga em questão. Mesmo para os dependentes, os riscos parecem estar mais relacionados ao grau de dependência do que ao tipo de droga ou ao fato de ela ser lícita ou ilícita. Por exemplo, a morfina – substância legalizada cujos efeitos são muito semelhantes aos da heroína – costuma ser frequentemente utilizada sem que, necessariamente, seus usuários se tornem dependentes dela (como no caso do seu uso medicinal).

Existem drogas seguras e inofensivas que não causam nenhum problema?
As drogas consideradas leves, como a maconha ou os calmantes, também podem causar danos para algumas pessoas. Tudo depende de quem as utiliza e da maneira como a droga é consumida.

As substâncias ilegais são mais perigosas do que as legalizadas?
Nem sempre isso acontece. Assim como já discutimos anteriormente, os perigos relacionados ao uso de drogas dependem de diversos fatores: qual droga é utilizada, em quais condições se estabelece o seu uso e quem a utiliza. O fato, portanto, de uma substância ser legal ou ilegal não tem uma relação direta com o risco que ela oferece. Tendemos  a achar que substâncias como o álcool, por serem legalizadas, não são tão problemáticas e prejudiciais quanto as drogas ilegais, o que é um engano. Assim, observamos que, em nossa cultura, somos muito tolerantes em relação às drogas legalizadas (álcool, medicamentos, tabaco, entre outras).

Outro fator que influencia, de forma considerável, os riscos e prejuízos relacionados ao consumo de drogas é a (im)pureza do que está sendo consumido. Dentro do contexto proibicionista, as substâncias ilícitas são frequentemente adulteradas pela adição de vários produtos que podem oferecer mais riscos à saúde do que a droga em si. 

No caso da cocaína, o produto oferecido aos usuários pode conter pó de giz, cimento, cal, querosene (como no caso do óxi, entre outros produtos). Na época da Lei Seca Americana, em que o álcool era proibido, estima-se que milhares de usuários tenham ficado cegos por consumir álcool adulterado (álcool metílico usado como produto de limpeza, por exemplo).

 

 

 

As drogas naturais são menos perigosas do que as drogas químicas?
Contrariamente ao que se fala, um produto de origem natural nem sempre oferece menos risco do que um produto sintético. Substâncias obtidas a partir de plantas, como a cocaína, podem ser tão ou até mesmo mais perigosas do que as drogas produzidas em laboratórios, como o LSD.

Existem maneiras menos prejudiciais de consumir drogas?
Embora o uso de qualquer substância psicoativa possa oferecer algum risco em potencial, existem maneiras menos prejudiciais de se consumir drogas. Tomamos como exemplo a cocaína. No caso dessa substância, podemos dizer que há, na região dos Andes, o hábito secular de mascar folhas de coca. Esse hábito não leva a consequências danosas ou à dependência. Notemos, porém, que o pó de cocaína (cloridrato de cocaína), usado de forma aspirada, representa um risco consideravelmente maior. Se esse mesmo pó for diluído e injetado nas veias, sua toxicidade aumenta ainda mais. Fumar crack (cristais de cocaína), por exemplo, chega a ser tão perigoso quanto usar a cocaína injetável. Isso se deve, basicamente, à grande quantidade da substância que atinge o organismo quando a droga é fumada ou injetada.

 

Nesses exemplos, o princípio ativo (a substância química que produz os efeitos no organismo) é o mesmo em todos os casos. O que torna a droga mais ou menos perigosa é a quantidade maior do princípio ativo que vai agir sobre o organismo.


As classificações das substâncias psicoativas refletem os riscos relacionados ao consumo?
Frequentemente, as classificações das substâncias psicoativas não refletem os riscos relacionados ao consumo.
Em 2010, foi publicado na Lancet, revista médica de maior prestígio no mundo, um artigo de David Nutt, professor de neuropsicofarmacologia no Imperial College, em Londres. O artigo tematiza uma pesquisa desenvolvida por um grupo de cientistas que buscou avaliar os riscos relacionados ao uso de diferentes drogas, lícitas e ilícitas. O estudo, disponível na internet, classifica vinte drogas segundo o potencial de dano que cada uma possa causar. Utilizando uma abordagem que leva em conta múltiplos critérios, o estudo define que, em uma escala de zero a cem, os danos causados pelo álcool chegam a 72; pela heroína, 55; pelo crack, 54; pela cocaína, 27; pelo tabaco, 26; pela maconha, 20; pelo ecstasy, 9; e pelo LSD, 7. Os critérios de classificação das drogas foram avaliados conforme os danos causados tanto ao próprio usuário (exemplo: um câncer de pulmão provocado pelo cigarro) quanto aos outros sujeitos (exemplo: causar acidentes por dirigir embriagado), por meio de uma análise multidimensional, que engloba fatores biológicos, psicológicos e sociais.

Veja na Figura 5 um gráfico com esses dados.

 

 

 

Figura Mockup
Figura 5: Dados comparativos entre diferentes tipos de drogas e seus danos aos usuários (cor clara) e a terceiros (cor escura).
Fonte: Nutt, Leslie e King (2010), adaptado por NUTE-UFSC (2016).