NEUROBIOLOGIA: MECANISMOS DE REFORÇO E RECOMPENSA
E EFEITOS BIOLÓGICOS COMUNS ÀS DROGAS DE ABUSO

 

PAPEL DO AMBIENTE E DA GENÉTICA


Assim como exposto na situação problematizadora, ao pensarmos em abuso e dependência de drogas, alguns mecanismos moleculares estão diretamente relacionados à influência do ambiente e à exposição a determinadas situações, como o trabalho e estudo intenso. Ademais, características genéticas também estão intimamente ligadas à dependência química.

 

MECANISMOS DE APRENDIZADO E MEMÓRIA 



Algumas das questões relacionadas aos mecanismos de aprendizado e memória mais discutidas pelos estudiosos da área são:

Quais são e como ocorrem as transformações biológicas na dependência de drogas?

 

De que forma essas alterações são gravadas no cérebro a ponto de modificar o comportamento do animal ou da pessoa mesmo após a cessação do efeito da substância?

Já os mecanismos moleculares que se relacionam com os efeitos das drogas de abuso, a longo prazo, podem ser divididos em duas classes principais: as adaptações homeostáticas e o aprendizado associativo.

 
  • As adaptações homeostáticas são as respostas compensatórias das células na exposição repetida à droga de abuso.

  • O aprendizado associativo representa alterações permanentes ou de longo prazo que ocorrem na sinapse (região especializada para a comunicação entre os neurônios) e que contêm códigos que armazenam informações específicas, atuando como uma memória celular.

Há vários indícios de que estímulos ambientais podem alterar o risco de usar drogas. É o que se chama de condicionamento ao ambiente. Por exemplo: quem tem um animal de estimação percebe que o simples fato de pegar a vasilha na qual se colocará a comida do animal, ou levantar da mesa de refeições, faz com que o animal se agite e corra para o local no qual se costuma dar a comida, antecipando a recompensa.

Com as drogas de abuso acontece coisa parecida: a simples visão do local no qual o usuário costumava usar a droga pode estimular a vontade de usá-la, porque ocorreu uma associação entre o ambiente e o efeito da droga. Outro indício da importância do ambiente é o papel do estresse na dependência, que costuma estimular o uso de drogas. É muito comum ver em filmes e novelas pessoas usando bebidas alcoólicas para relaxar, para lidar com estresse. Parte desse comportamento é socialmente aprendido e outra parte é uma associação entre o efeito ansiolítico (redutor da ansiedade) de algumas drogas e a situação estressante. Por outro lado, alguns estudos mostraram que certas condições ambientais, como viver em um ambiente rico em estímulos positivos, com acesso a mais recursos ou estresse diminuído, podem reduzir a autoadministração de drogas. O hábito de consumo de álcool por determinadas famílias também pode ser um fator de risco ao desenvolvimento de dependência.

GENÉTICA



Os fatores genéticos desempenham outro papel importante no desenvolvimento da dependência química. Estudos epidemiológicos têm, há muito tempo, estabelecido que o alcoolismo, por exemplo, possui um componente familiar preponderante, com uma estimativa de 40% a 60% do risco para o desenvolvimento desse transtorno. Parte dessa influência é devida a características herdadas por meio dos genes. Como exemplo: a predisposição genética a algumas doenças psiquiátricas ou o nível de prazer sentido pelo consumo da droga podem estar associados ao desenvolvimento de dependência.

 

O fato de existir uma influência genética, uma maior vulnerabilidade, não significa que a dependência de álcool seja completamente herdada, que seja algo predeterminado; entretanto, pessoas com história familiar de dependência devem ser alertadas para o fato de que têm maior risco de desenvolverem um problema semelhante aos pais do que a população em geral.

Estudos sobre a influência de fatores genéticos no desenvolvimento do alcoolismo encontraram uma relação entre a gravidade da dependência e a presença do alelo A1 do receptor DRD2 de dopamina (BLUM et al., 1990).  Isso significa que pessoas com esse alelo estão associadas à baixa responsividade à dopamina e teriam maior chance de desenvolver quadros graves de dependência de álcool, e isso parece ter relação com seus níveis basais mais baixos de dopamina. Além disso, há muitos estudos sobre a influência de outros genes na dependência de álcool.

Segundo alguns autores, a maioria dos aspectos neurobiológicos (estudados neste módulo) das dependências pode ser resultante da desregulação dos mecanismos moleculares, ligados à memória de longo prazo, que futuramente poderão ser modificados por medicações específicas. Já os comportamentos alterados, decorrentes dessa desregulação, podem com frequência ser suprimidos, pelo menos por um período, por mecanismos de controle que requerem funções do córtex frontal (através da lógica e da razão) e que podem ser treinados pelas técnicas de tratamento psicoterápicas. Contudo, devido à natureza desses comportamentos e à intensidade das mudanças biológicas associadas, não é surpreendente que, apesar dos esforços, ocorram recaídas.

As pesquisas no campo da dependência de substâncias evoluíram muito nos últimos 30 anos, principalmente em relação aos aspectos comportamentais e neurobiológicos envolvidos na busca e no consumo de drogas, e já trouxeram grandes descobertas, como algumas medicações que ajudam a diminuir a fissura pelas drogas. É provável que, nos próximos anos, novos estudos, principalmente sobre o papel das mudanças nas expressões gênicas e os mecanismos moleculares da memória, tragam novas formas de abordagem desse complexo fenômeno.