AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA, CUIDADO E INSERÇÃO SOCIAL NA PREVENÇÃO DO ENCARCERAMENTO E DO USO PROBLEMÁTICO DE DROGAS

 

PARTE I – AS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA E SEU IMPACTO NO SISTEMA PRISIONAL E NA POLÍTICA DE DROGAS


Diante do cenário relatado na situação problematizadora, buscando enfrentar esses questionamentos, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em fevereiro de 2015, em parceria com o Ministério da Justiça (MJ) e com o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), lançou o projeto Audiência de Custódia, que consiste na garantia da rápida apresentação do preso a um juiz nos casos de prisões em flagrante. Junto ao lançamento do projeto, foi criado esse vídeo que relata um caso de uma pessoa que passou por uma audiência de custódia, e os impactos que esse procedimento teve em sua vida.

Tentaremos, neste módulo, entender o que é a audiência de custódia, sua importância, sua relação com a Lei de Drogas e, fundamentalmente, a interface do sistema de justiça com os serviços de atenção e de cuidado de pessoas vulneráveis em razão do uso abusivo de drogas.

Na primeira parte, faremos uma análise jurídica das audiências de custódia, sua base legal, as razões para sua implantação e de que maneira as decisões judiciais deverão implicar no sistema prisional e qual o impacto para a política de drogas.

AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA: CONCEITO, PROCEDIMENTO E FINALIDADE



No Brasil, a Constituição Federal estabelece que a prisão de uma pessoa somente poderá ocorrer por ordem escrita e fundamentada do juiz competente ou em caso de flagrante, ou seja, quando a pessoa é surpreendida cometendo um delito ou tendo acabado de cometê-lo, de acordo com o Artigo 302 do Código de Processo Penal. (BRASIL, 1941).

Se não bastasse, em conformidade com o Artigo 5º, inciso LXII, em complemento a tal previsão, a Constituição também diz que a prisão de qualquer pessoa e o local onde ela se encontra deverão ser imediatamente comunicados ao juiz competente e à família do preso ou pessoa por ele indicada. (BRASIL, 1988).

O prazo para comunicação da prisão ao Juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, quando o preso não informar o nome de seu advogado, é de 24 horas após a detenção, com o envio de cópia do auto de prisão em flagrante.

Nesse ponto, o Brasil aprendeu com a história, de modo que tais medidas constituem garantias de que a prisão de qualquer pessoa deve seguir um padrão de regras mínimas para se evitar ações arbitrárias e ilegais (durante a última ditadura militar, foram comuns prisões clandestinas por agentes do Estado sem qualquer controle do Poder Judiciário).

Perceba, contudo, que, à primeira vista, está se falando do envio apenas de papéis ao sistema de justiça para comunicação da prisão, mas não necessariamente da apresentação da pessoa presa à presença do juiz.

Ocorre que a Convenção Interamericana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica –, incorporada no Brasil como norma constitucional, vai mais além, ao prever que toda pessoa presa deve ser conduzida, sem demora, à presença de um magistrado (Art. 7º, item 5). É justamente essa previsão no tratado internacional que serviu de fundamento para serem inauguradas no país, ainda que tardiamente, as chamadas audiências de custódia. O projeto foi lançado em fevereiro de 2015, por meio de uma parceria entre o Conselho Nacional de Justiça, o Ministério da Justiça e o Tribunal de Justiça de São Paulo.

Na audiência de custódia, a pessoa presa, no prazo de até 24 horas, é apresentada pessoalmente ao juiz que, após entrevista com o preso e manifestação do Ministério Público e da Defensoria Pública ou do advogado, decide sobre a legalidade da prisão e da necessidade de se manter ou não a custódia cautelar (prisão provisória e sem condenação).

O projeto iniciou-se na capital paulista em março de 2015, com a realização das primeiras audiências. Em dezembro do mesmo ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução n.º 213 determinando que toda pessoa presa em flagrante delito no país, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas, à autoridade judicial competente e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão.

Prevê também essa resolução de que a audiência deverá ser realizada na presença do Ministério Público e da Defensoria Pública, caso a pessoa não tenha constituído um defensor.

 

A propósito, antes de iniciada a audiência, deve ser assegurado atendimento prévio e reservado do preso com seu advogado ou defensor público. E mais, na entrevista com o juiz, a pessoa presa deverá ser indagada sobre eventual violência ou abuso policial por ocasião de sua detenção e das demais formalidades do ato de prisão.

Após oitiva do preso e debate entre as partes - Ministério Público e defesa-, o juiz decidirá sobre os seguintes pontos:

a) se a prisão foi correta – caso contrário decreta o relaxamento da prisão, hipótese em que a pessoa é solta;

b) concessão de liberdade provisória com ou sem aplicação de medida cautelar diversa da prisãocom expedição de alvará de soltura;

c) decretação da prisão preventiva, caso em que a pessoa continua presa no curso do processo;

d) adoção de outras medidas necessárias à preservação de direitos da pessoa presa, além de providências para apurar a possível violência ou abuso policial relatado.

A audiência deverá ser gravada em mídia e as partes deverão se manifestar oralmente, garantindo-se celeridade e informalidade ao ato judicial.


Nesse sentido, segundo definição do próprio CNJ, audiência de custódia é uma ação do Conselho Nacional de Justiça mediante a qual o cidadão preso em flagrante é levado à presença de um juiz no prazo de 24 horas. Acompanhado de seu advogado ou de um defensor público, o autuado será ouvido previamente por um juiz, que decidirá sobre o relaxamento da prisão ou sobre a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva. O juiz também avaliará se a prisão preventiva pode ser substituída por liberdade provisória até o julgamento definitivo do processo, e adotará, se for o caso, medidas cautelares como monitoramento eletrônico e apresentação periódica em juízo. Poderá determinar, ainda, a realização de exames médicos para apurar se houve maus-tratos ou abuso policial durante a execução do ato de prisão.


As audiências, portanto, têm por finalidade fundamentalmente avaliar, em prazo exíguo, a prisão em flagrante de qualquer pessoa, verificar a possibilidade de concessão da liberdade provisória, de modo a se evitar prisões desnecessárias, e ainda constatar e apurar possível violência ou abuso policial.

Note-se que a audiência de custódia, em regra, não encerra o processo. Longe disso. Apenas decide, antes mesmo de iniciado o processo, sobre a legalidade da prisão em flagrante e a necessidade ou não da prisão preventiva.

Considerando que o atual Código de Processo Penal brasileiro foi editado em 1941, em todos esses anos, a audiência de custódia foi uma das maiores mudanças no procedimento do sistema de justiça que envolve pessoas presas. Na prática, com tal iniciativa, pode-se corrigir de imediato a prisão ilegal, apurar abusos policiais e evitar a prisão provisória desnecessária, contendo assim o aumento desenfreado da população carcerária no país.